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23 de novembro de 2013

O que falar do Centro Cultural Donana?

Mônica Vallim é graduanda de Pedagogia no ISERJ e integrante do grupo Aprender nas ruas.

         Para o grupo Aprender nas ruas, ter o documentário Agora você é índio selecionado para o Festival Globale 2013 foi gratificante. Como a exibição seria em Belford Roxo, ir de trem foi a minha primeira opção de viagem. Uma possibilidade bem agradável, se os trens funcionassem decentemente aos finais de semana. Mas não. Só há horários regulares das linhas nesse ramal durante a semana,  para o povo trabalhar. No domingo, dia que poderia ser utilizado para o lazer e as atividades culturais por várias famílias que lá residem, esse tipo de transporte de massa só funciona até 14h. Esse é o nosso Rio de Janeiro às vésperas da Copa de 2014, segregando cada um no seu quadrado. 
          Restou-me então ir de ônibus. Peguei o 766 para Madureira e de lá peguei o 800 que literalmente dá a volta ao mundo e vai pela via Dutra. Somando ida e volta, fiquei umas quatro horas e pouco dentro de ônibus. Se eu pegasse um interestadual na Rodoviária Novo Rio, em cinco horas estaria no Terminal Tietê em São Paulo. É muito tempo dentro de um ônibus para sequer sair do estado do Rio de Janeiro! E quem mora por lá vivencia esse colapso de transporte urbano diariamente.
            A rua Aguapeí, onde se situa o Centro Cultural Donana, não consta na busca do Google Maps (será que é por ter um nome indígena?). O curioso é que outras ruelas constam. Vai entender o porquê... Logo a rua de um Centro Cultural não está lá... Mas as referências que o pessoal do Donana colocou junto à divulgação do evento no Facebook foram suficientes para que eu chegasse lá sem grandes dificuldades. Mesmo assim, logo que saltei do ônibus e saí da rua principal, confirmei as indicações na primeira birosca aberta que encontrei . Estava tudo certo. Fui com a minha filha, Fernanda Vallim, professora na Escola Municipal Rudá Iguatemi Vila Nova em Nova Aurora, um bairro vizinho mais pobre, também de Piam em Belford Roxo.
             A simplicidade do Donana nos chamou atenção. Uma casa térrea ainda em obras num terreno de esquina e com o muro grafitado. Como não vi movimentação onde pensei que fosse a entrada principal, contornei a esquina e me deparei com uma entrada de garagem semiaberta. Vi algumas poucas pessoas, bati palmas e fui convidada a entrar. Fui recebida por Aline Germano, do Festival Globale Rio, e Érika Nascimento, coordenadora do Cineclube, que me apresentaram às demais pessoas que já estavam por ali.
           Enquanto não começava a sessão do Cineclube, fiquei sabendo um pouco da história e das atividades que acontecem naquele espaço cultural que inicialmente era apenas o quintal generoso da casa de Dona Ana, mãe de Dida Nascimento, presidente do Donana. Nesse espaço, antes da criação do Centro Cultural, também funcionou uma escola de alfabetização de adultos fundada pelas irmãs Severina e Iraci.
             Todas as atividades são gratuitas. Há rodas de leituras para os miúdos, e oficinas de artes variadas como desenho, teatro e capoeira. As sessões do Cineclube têm o carinho especial dos anfitriões, com direito à pipoca, um bolo caseiro daqueles que nos lembram dos mimos doces de nossas avós e algum suco, chá gelado ou refrigerante.
          A sessão começou um pouco depois das 18h, pois alguns convidados se atrasaram e o público também veio chegando pingadinho. A sala de exibição deve ter aproximadamente uns 50m2. Tem uma tela grande, projetor, caixas de som, umas 40 cadeiras tipo escolar, algumas mesas laterais, dois grandes ventiladores e negras cortinas de TNT.
           O pequeno público presente, talvez umas 20 pessoas, era em sua maioria adulto, mas havia uns poucos jovens e até crianças.
           A crítica que faço ao nosso documentário se estende aos demais: a má qualidade do áudio, que nos impõe a colocação de legendas, é um complicador para o público com dificuldades para a leitura rápida. Mas o debate compensou essa falha, pois esclareceu detalhes omissos ou equivocados e encorajou a participação do público.
       Esse bate-papo que aconteceu após a sessão acabou tendo um contorno político, de conscientização sobre as questões denunciadas nos documentários e nos problemas cotidianos do próprio bairro com o saneamento, os transportes, o meio ambiente e o direito à cultura.
          Yoshiharu Saito, um dos debatedores e defensor do meio ambiente, ao cumprimentar Dida pelo cargo de subsecretário de cultura de Belford Roxo, lembrou da necessidade de ocupação de cargos políticos por moradores do local para minimizar esses problemas.
           Iniciativas assim precisam de mais apoio e divulgação para que se multipliquem. São trocas muito ricas e necessárias em nossas pobres periferias, só lembradas em anos eleitorais ou quando acontece alguma tragédia dantesca. Na cidade de Belford Roxo residem em média 500 mil habitantes. Muitos jovens e crianças têm como único lazer a rua ou a TV. Até 2010 não existia sequer uma sala de cinema popular que os contemplasse e fizesse por eles a diferença que o Donana é capaz de promover, envolvendo-os com arte, cultura e consciência política.
***
O Centro Cultural Donana surgiu em meados da década de 80, como um espaço voltado para as artes e alfabetização de crianças, jovens e adultos, além de diferentes atividades como exposições e festas com os músicos da Baixada Fluminense. Este cenário – uma casa sem muros e repleta de manifestações culturais e artísticas, localizada no bairro Piam – proporcionou o fomento a uma geração musical que deu origem a bandas como KMD5, Negril e Cidade Negra. A partir disso, Belford Roxo ganhou visibilidade, deixando para trás o título de ‘cidade mais violenta do mundo’, segundo dados da época, fornecidos pela ONU.                                                    
Para visitar o site do Donana, clique aqui
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Ficha técnica do documentário Agora você é índio (20’, 2012),
uma produção FAPERJ / ISERJ / FAETEC
Sinopse
Entre o índio imaginário, o invisível e o histórico, o curta procura entender o índio real no contexto urbano: na feira de artesanato, na escola e no prédio do antigo Museu do Índio, sede da Aldeia Maracanã. Através de imagens, sonhos e entrevistas, identidades se misturam e se redescobrem pelo olhar do outro.

Linhas de discussão
O preconceito contra indígenas no Brasil é gritante e o desconhecimento acerca da sua existência nas cidades é ainda maior. O filme dá visibilidade a essas questões e se reporta aos estereótipos na escola e a necessidade de identificar no indígena um cidadão e um trabalhador que questionam a ordem social excludente.
Palavras-chave: Índios em contexto urbano, Segregação cultural, Educação, Aldeia Maracanã

Equipe
Direção: Bia Albernaz / Assessoria e edição: Jorge Efi / Atores: Dauá Puri e Ricardo Araújo Oliveira / Roteiro: Antonio Pinheiro, Bia Albernaz, Carmel Farias, Carol Granato, Cida Donato, Cris Muniz, Dilson Miklos, Elen Cabral, Fátima França, Patrícia Nascimento, Malu Pinto, Marcia Fernandes, Márcio Salles, Mônica Vallim / Câmera: Antonio Pinheiro, Gilson Bueno e Walter Cecchetto Filho / Música: Marcelo Lion / Produção: Grupo Aprender nas ruas, Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro e Fundação de Apoio à Pesquisa do Rio de Janeiro.

Para ver o filme, clique aqui

12 de novembro de 2012

Ser índio no século XXI

Mônica Vallim



Basta ser filho de indígenas e manter-se longe da civilização para ser índio? Ou será preciso aculturar-se para garantir o direito dos povos originários?
Na aproximação com a Aldeia Maracanã, percebe-se que ser índio está além do complexo e amplo sentido de sentir-se ou não um índio no espaço citadino. E tanto pode significar orgulho, quanto distanciamento de sê-lo.

Muitos brasileiros indubitavelmente possuem em sua árvore genealógica resquício de sangue indígena, misturado ao europeu talvez ao africano, afinal, foi assim que se constituiu o povo brasileiro desde a invasão portuguesa em 1500. Embora alguns não tenham sequer noção exata de suas etnias ancestrais, pois a pele branqueou, a história passou a ser o que lhes contaram e o que aprenderam nos livros didáticos – seria por vergonha ou falso orgulho?

A estatura média brasileira também aumentou nas últimas décadas e após sucessivas miscigenações restou o orgulho do sangue europeu nas terras tupiniquins. Para a maioria dos que se declaram brancos, o índio urbano não tem o menor sentido ou valor cultural, principalmente frente aos interesses econômicos e políticos da Copa de 2014.

Mas Mayra, uma indiazinha urbana de uns 12 anos dá mostras pelas redes sociais seu orgulho de ser indígena, fruto de um amor que seria proibido séculos atrás entre as etnias Krikati (mãe) e Guajajara (pai).
Exibe com igual orgulho seu gosto musical juvenil, midiático e o grafismo de jenipapo e carvão da etnia Guajajara, que gera curiosidade aos seus colegas na escola.

   


Sua participação em uma cerimonia da Aldeia Maracanã – “Etnia Guajajara e Etnia Krikatí - DIA DA CONTAÇÃO DE HISTÓRIA 10 SETEMBRO 2011” – está inclusive disponível no youtube e comentada em blog, celebra publicamente a sua primeira menstruação. Mas ela não se mostra constrangida, ou, como diriam os mais antigos, incomodada.
Com riso farto ostenta o seu uniforme de estudante do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro na Oca do Antigo Museu do Índio. Participa da luta para que naquele pedaço de terra o prédio em ruínas localizado ao lado do Maracanã, seja oficialmente reconhecido como um Centro Cultural Indígena que contemple as várias etnias indígenas e quem sabe ali nasça a primeira universidade indígena do Brasil.

A jovem menina moça parece ser o colóquio aberto e perene entre as culturas indígena e brasileira no contexto urbano. Acultura-se com consciência de sua identidade, direitos, deveres, tradições e língua.

“O direito à cidade manifesta-se como forma superior dos direitos: direito à liberdade, à individualização na socialização, ao habitá-la e morar. O direito à obra (à atividade participante) e o direito à apropriação (bem distinto do direito à propriedade) estão implícitos se no direito à cidade”. (Lefebvre, 1968, p.155)

Espera-se ao término desse breve relato ter contribuído para dar visibilidade aos índios urbanos praticamente sitiados a cada avanço das obras de revitalização do entorno do Maracanã, e seu ideal de defender naquele espaço a luta indígena para a restauração de um patrimônio histórico centenário que é  de todos nós brasileiros. Foi através da resistência da Aldeia Maracanã que nesse pequeno espaço/tempo criou um centro cultural indígena em um não lugar urbano e por meio da obstinação indígena que o prédio do Antigo Museu do Índio ainda se mantém em pé. 

Preservem-se através dos registros online as ações que contribuíram de alguma forma para o cuidado da memória histórica e cultural que apesar da precariedade e  descaso com o bem público ainda persiste como uma resistência política e organizada naquele espaço/território dando voz aos anseios dos povos originários do Brasil e que por conta dessa ocupação pacífica e legal ainda pode ser visitado todos os sábados por escolas e/ou qualquer pessoa interessada na variedade multiétnica, multilinguistica e multicultural de nossos indígenas. 

5 de novembro de 2012

Aldeia Maracanã

Participei de uma manifestação no último domingo (28/10), no Rio de Janeiro, e filmei uma índia (Zahy Guajajara) que vive na Aldeia Maracanã (ameaçada de sair de lá já que o sr. governador quer derrubar o prédio para construir "melhorias" para a copa de 2014), fazendo um discurso emocionado e esclarecedor. De início, ela fala em tupi-guarani mas depois continua em português. Me levou e levou mais alguns que estavam lá às lágrimas.
Rossana Pinheiro

 e um video da manifestação

9 de julho de 2012

Convocação

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Bia Albernaz
Ontem, na Aldeia Maracanã, ao final de um ótimo dia de filmagens, o casal Urutau e Potira Guajajara nos convocou para uma roda de despedidas. Nos convidou a ritualizar nosso encontro e nossa partida. Nos colocamos em torno de uma fogueira simbólica, um tronco com grafismos vermelhos. Com um leve sorriso nos lábios e  nos olhos, Guajajara começou a falar da dor indígena, enquanto Potira falava às mães. Ela dizia que aquele tesouro não pertencia a uma só raça, nem a uma ou outra etnia, que ele era de um povo só, formado por nossos filhos. Em dueto, os dois cantavam o amor. Entardecia. O céu estava vermelho. Ao lado, o perfil do Maracanã, monstro devorador? Maracanã é um pássaro. Entoamos e dançamos com Guajajara dois cantos, um da arara amarela e outro do beija-flor. Quem pode com tanta candura? Por que não se entregar à beleza e dizer sim às criaturas todas, que somos nós em comunidade?

Talvez seja preciso interromper o relato para refletirmos os elos dessa corrente.

Sou uma escritora ou pelo menos faço força para isto. A literatura e a poesia são meus óculos. Por isso, me inquietei, quando Guajajara nos convocou, a todos os visitantes, a escrevermos sobre aquele lugar e sobre a luta para mante-lo em funcionamento como um Centro de Cultura Indígena, ainda que em ruínas e sob o abandono governamental. Não pude deixar de fazê-lo, de escrever, de buscar espalhar por aí a notícia de que aquele lugar ameaçado não pode simplesmente morrer. Essa morte, em prol de não-sei-que interesses medíocres, não deve acontecer. Corre a notícia de que o governador já se declarou a favor da demolição do prédio. Mas, diz Guajajara, a Rede espalha boatos. Ela cria realidades virtuais. A Rede tem poder. Usem a Rede para espalhar a notícia de que a Aldeia Maracanã é um lugar de todos, da nossa cultura, de nossos povos, dos originários.

Esta escrita responde a um chamado.

De um modo breve, relato a minha experiência. Sempre me interessei pela arte de comover outras experiências, de fazê-las reverberar, converterem-se em outras, numa cintilação constelativa. A comoção que senti na Aldeia Maracanã converte-se aqui em voto pela conservação do prédio que já foi o Museu do Índio, mas não só do prédio, mas de toda a área incluída no mesmo ato de doação dessa terra à causa indígena. (A história do lugar é longa e não daria para conta-la aqui.)

Por que ainda lutamos por propriedade? Nossa legislação às vezes parece caduca, escrita para a eficiência de um regime que combina conservadorismo colonial e destrutivismo progressista. Se não existe, é preciso criar uma lei que legitima a apropriação congregadora, e não segregadora.

Não escrevo leis. Especificamente, nesta história, escrevo sob a força do inesperado.

Meu campo de estudos na educação é a cidade. Cidade. Favela. Trânsitos, fluxos, praças, muros, ruas, destructos, constructos, ininterruptos. Com um projeto sobre a aprendizagem nas ruas, procuro realizar gestos que ajudem a romper a barreira entre a escola e a cidade. Visualizo canais, canalículos de respiração mútua. Mas sei da minha fraqueza, preciso de companhia de quem busca o mesmo, um modo de trazer arte à educação, um sentido artístico no exercício da docência. Foi assim que, inesperadamente, a professora Cida Donato me fez o convite, de trabalharmos juntas num projeto na Aldeia Maracanã com o Urutau Guajajara. Cida acabou em um outro caminho e eu me vi, de repente, frente a frente com indígenas no espaço urbano.

Encenou-se uma dança de espelhos entre “eles” e “nós”, porque logo me pus no coletivo. Isso é comum, ao ouvi-los. Sou parte de uma comunidade por vir.

Na Rede, é preciso abrir buracos, tanto quanto delimita-los. Pela Rede, colhem-se e espalham-se sementes de texto que germinam em dialetos brotantes, pela força de um eco autoalimentador e labiríntico. Este texto é uma semente de textos. Joga-se na Rede como uma voz, da qual às vezes só se escuta parte – o começo ou o fim, ou uma continuação da Roda compartilhada com o povo na Aldeia Maracanã.

Ruínas. O Rio de Janeiro poderia inaugurar um novo parque das ruínas. Atualmente, são os indígenas os cuidadores dos nossos parques e ruínas. Indígenas que perambulam, como nós. Somos originários, nós também. Podemos ser também da luta. Seres da utopia? Da ilusão? Da fantasia?

Não sou praticante, nem adepta de nenhuma religião. Renego qualquer interferência da religião na política. A religião é uma fantasia também. E vice-versa. A fantasia também é uma religião. A ciência, festejada com a descoberta da chamada partícula de Deus, também pode ser religião, ou fantasia. O que o encontro com a Aldeia Maracanã me propõe não é nada disso; é uma revolução. E não se pondera a aceitação do desejo de uma revolução. As cartas estão na mesa, ou melhor, nas ruas.

Ontem (que dia cheio!) passei pelo colégio Pedro II, onde li numa faixa que os alunos estão em greve por amor à educação. Não acredito mais em nenhum discurso à favor da educação. Nem mesmo o mais belo. Não acreditem no meu, caso daqui se exale algum proselitismo, alguma outra intenção diferente da literária. Sou poeta, professo a poesia e,  se não posso, poetizo a profissão. Mas também e por isso mesmo sou professora, e habitante dessa cidade, cidadã, e educadora, mãe, mulher, descendente de imigrantes ibéricos, de fantasias e sabe-se lá de quantos golpes. É, portanto, na qualidade de escriba que passo e encerro este texto, novamente com a fala na Roda, ao final do dia de ontem, um dia intenso de gravações e projeções de imagens nas paredes em ruínas do antigo prédio do museu do Índio.

Levem os equipamentos, as mochilas, as sacolas. Guajajara e Potira nos convocam. Respondi com um tímido agradecimento pela hospitalidade (foi um verdadeiro milagre da multiplicação dos peixes nas folhas de bananeira). Um dia na Aldeia se encerrava. Alguns ainda ficaram para fazer grafismos com jenipapo nos braços. No próximo encontro, vai haver contação de história. Talvez a da arara amarela. E há o mercadinho, onde se falam várias línguas e pode-se saber da história de várias tribos, etnias. São mais histórias do que as de Roma. São caminhos que nos levam a essa e a outras cidades possíveis.

19 de junho de 2012

MANIFESTO ALDEIA MARACANÃ

Rio de Janeiro, 18 de Junho de 2012

MANIFESTO ALDEIA MARACA-NÃ


Se você recebeu esta carta, certamente é um indígena legítimo ou um  verdadeiro apoiador das causas indígenas.É com muita insatisfação com o descaso público que trazemos a você mais uma de muitas lutas dos nossos irmãos indígenas, luta esta que estou envolvida de corpo e alma.

Há aproximadamente seis anos o antigo museu do índio foi ocupado por uma frente de resistência envolvendo diversas etnias do nosso extenso pais. Esse grupo de parentes, do qual faço parte, tem entre seus propósito resistir contra os intentos do governo de construir, no prédio fundado por Darcy Ribeiro, um shopping ou estacionamento para o estádio do Maracanã, que fica ao lado.O prédio, que já se encontra em condições deploráveis, foi berço do antigo SPI, Serviço de Proteção ao Índio, que deu origem a atual e ineficiente FUNAI, alem de ter abrigado as primeiras instalações do Museu do Índio, que agora está localizado na Rua das Palmeiras, 55, no bairro de Botafogo.

Parentes, é com muita dor que pedimos o seu apoio, pois aquele chão que outrora foi motivo de algum orgulho, hoje encontra-se na iminência de ser deserdado de todas as nossas futuras gerações. A terra indígena da mata é invadida e desrespeitada todos os dias e agora esse governo corrupto, sem raízes e vazio quer tomar alguns poucos metros de terra indígena no coração urbano da cidade do Rio de Janeiro. Não vamos permitir que roubem de nós um chão conquistado com tanta luta! Nós, os integrantes deste movimento de ocupação e resistência,  pedimos o apoio de todos os parentes para criarmos o Centro Cultural Indígena Aldeia Maracanã, que abrigará todas as etnias, línguas e culturas e será um ponto de encontro entre todas as lideranças indígenas do nosso pais. Para que a cada dia as culturas e a população indígena seja valorizada, respeitada e inserida na sociedade civil e política.

Queremos convidar aos parentes para uma manifestação pacifica ao redor do estádio do Maracanã, nesta quinta-feira (21/06/2012) às 17:30h. Uma luta sem violência, uma guerra sem morte e uma vitória que possa ser assistida pelas lentes da imprensa nacional e internacional. Os olhos do mundo estão voltados para a cidade do Rio de Janeiro.  Não vamos esconder nossas culturas e sonhos ficando somente sentando em cadeiras de plástico debaixo de tendas, ouvindo apenas palavras. Vamos transformar as palavras em atitudes e os sonhos em realidade. O estádio mais famoso do Brasil e do mundo tem um nome indígena, Maracanã. Parentes, podem ter certeza que a maior parte dos cariocas nem sabe disso. O nome Maracanã vem do tupi-guarani, da palavra MARACÁ. Queremos formar uma corrente em volta de todo o estádio com todos os parente tocando maracá e cantando e dançando seus rituais.Vamos fazer  o maior círculo indígena do mundo, chamando a atenção da sociedade civil para os descasos das autoridades para com a memória histórica da trajetória indígena na cidade que abriga este mega evento chamado Rio+20.


Zahy Guajajara;

Integrante da ocupação indígena Aldeia Maracanã.

15 de abril de 2012

Visita à Aldeia Maracanã - sentimentos

http://todosomosindigenas.blogspot.com.br/
Mirza da Silva Albuquerque Santos
Uma das atividades da disciplina  "Estudos interdisciplinares do Rio de Janeiro" deste ano foi a visita, no dia 25 de março, ao antigo Museu do Índio no Maracanã, um lugar extremamente rico em história e completamente pobre em preservação.  Lá, foi possível perceber que, em relação à trajetória do resgate cultural indígena,  a ignorância nos assola e nos corrompe a cada dia. Um sentimento de impotência me invadiu. Onde estava, em todos esses anos, a “carioca da gema”? Nascida e criada no Rio de Janeiro, nem me dei conta da luta ainda em curso contra os indígenas e sua cultura, bem em solo urbano. Vivemos na ilusão! Índio não vive pelado dentro das Matas Amazônicas.  Índio sou eu e você.
http://www.ecodebate.com.br/2010/03/13/rj-indios-querem-salvar-o-antigo-museu-do-indio/Foto Norbert Suchanek
Em uma rápida pesquisa pela internet, constatei  que a luta é desigual, que as militâncias estão enfraquecidas, que poucos lutam pela causa da restauração do museu e, no reconhecimento da cultura indígena como patrimônio cultural, políticos e autoridades que apoiavam o movimento, calaram-se.  Hoje só quem se interessa pelo espaço cultural são os defensores dos direitos humanos e professores  que reconhecem a importância da cultura na educação de um povo. 
Registro da visita. Gravamos tudo em video. Eu carreguei o equipamento.
É muito desanimador olhar para nossa cidade com tanta história cultural, relíquias que dinheiro algum poderá comprar ou corromper, ser simplesmente demolida pela ganância de interesses financeiros e políticas urbanas equivocadas. Homens que deveriam levantar a bandeira do Rio de Janeiro com orgulho, levantam a poeira das demolições em nome da vaidade e da cobiça, sabedores da sua impunidade. Não sei qual será o futuro do prédio do Museu do Índio no Maracanã e nem dos indígenas que lutam pelo resgate de seus direitos como  Povos Originários. Confio que a justiça seja feita nem que seja em ultima instância e credibilize os direitos dos verdadeiros donos dessa terra.



Educar  é mostrar a vida a quem ainda não viu. O educador  diz: “Veja!” – e , ao falar, aponta. O aluno olha na direção apontada e vê o que nunca viu. Seu mundo se expande. Ele fica mais rico interiormente... E, ficando mais rico interiormente, ele pode sentir mais alegria e dar mais alegria – que é a razão pela qual vivemos. 
Rubem Alves

8 de fevereiro de 2012

CESAC - Centro de Etno-conhecimento Sócio-cultural e Ambiental Cauieré

O CESAC – Centro de Etno-conhecimento Sócio-cultural e Ambiental Cauieré - entidade associativa sem fins lucrativos de defesa de direitos e interesses indígenas registrada no RCPJ/RJ sob o nº 490.156, CNPJ sob o nº 73.295.875/0001-31 e no Ministério da Justiça ped. OSCIP de nº 08071.008534/2007-37, desde 1993, com sede na Rua Maracá, nº 7 em Tomás Coelho, Rio de Janeiro (RJ), vem, por meio do presente documento, solicitar o apoio de Ongs e Instituições indígenas e não indígenas com o objetivo de receber auxílio no projeto de reforma e da defesa para destinação à cultura indígena do imóvel do antigo Museu do Índio, na Cidade do Rio de Janeiro, que se encontra em ruínas, sendo um patrimônio histórico de valor inestimável – e pólo de resistência cultural indígena - que está ameaçado de demolição pelos poderes públicos Estadual e Municipal do Rio de Janeiro.

No dia 20 de outubro de 2006 o Movimento dos Tamoios, representado, na ocasião, por trinta e cinco representantes de 17 etnias indígenas de várias partes do Brasil, dentre essas, Guajajara (MA), Pataxó (BA), Tukano (AM), Mayoruna (AM), Fulni-ô (PE), Apuriña (AM), Kayapó (PA), Krahó (MA), Krikati (MA), Xavante (MT), Xukuru e Kariri (AL), Guarani (RJ e PR) e Tikuna (AM), Potiguara (PB), reassumiram um antigo casarão em ruínas, (antigo museu do indio) na Avenida Radial Oeste, bairro do Maracanã (Rio de Janeiro). Construído em 1910, o casarão já sediou o Serviço de Proteção do Índio (SPI), fundado pelo Marechal Rondon. O prédio chegou a abrigar, a partir da década de 1950, o Museu do Índio, fundado por Darcy Ribeiro e desativado em 1978, sendo transferido para o bairro de Botafogo. O local ficou abandonado, sendo depredado sucessivamente.

Em outubro de 2006, indígenas de várias etnias haviam participado do “1º Encontro Movimento dos Tamoios: Pelo Resgate dos Direitos dos Povos Originários do Brasil”, realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), ocasião em que foi votada a proposta de ocupação do antigo Museu do Índio. Após o encontro, os representantes do Movimento Tamoio acompanhados de sindicalistas foram para o espaço e tiveram uma negociação com os responsáveis pela administração que resolveram entregar a posse do imóvel e a ocupação ocorreu de forma pacífica.

Lembrando a forma como o próprio Darcy Ribeiro transformou o local em Museu do Índio, nos anos 50, o casarão se encontrava na mesma situação: abandonado. O Movimento, desde o início da ocupação, contou com o apoio de entidades como o SEPE, CNTE, SINTRASEF, CESAC, ASIB, CA de Química da UERJ, DCE da PUC, de instituições como MPF, UERJ, UFRJ, UNIRIO, UFF, CEFET e com a solidariedade de diversos movimentos. O espaço é ocupado por indígenas e descendentes de várias etnias, desde outubro de 2006, como centro de preservação e difusão da cultura indígena, além de ponto de abrigo e proteção para indígenas de todo o Brasil, que chegam à Cidade do Rio de Janeiro sem amparo governamental ou institucional.

Os ocupantes estão lutando pelo sonho do local ser finalmente reformado e transformado em um centro cultural. A instalação de um espaço próprio para os povos indígenas desse país na Cidade do Rio de Janeiro, destinado à educação e à transmissão de cultura indígena sob a ótica indígena, estimula o diálogo inter-étnico e enriquece de saberes ancestrais o cidadão urbano, carioca ou não, que desconhece a realidade indígena brasileira contemporânea, principalmente a realidade do cidadão indígena desaldeado, cidadão excluído das políticas públicas, visto que os Povos Originários já possuem o IDH mais baixo do país – e os índios no meio urbano, para piorar a situação, estão longe do abrigo de suas aldeias e de suas famílias, sofrendo muitas vezes com o preconceito, além de um violento choque cultural no ambiente urbano.

O Movimento Tamoio foi batizado com esse nome em homenagem à Confederação dos Tamoios, insurreição indígena, ocorrida entre 1556 e 1567, contra a invasão portuguesa às terras brasileiras e a tentativa de escravizar os Povos Nativos. Iniciada pela nação Tupinambá, a revolta contou com a participação – e a união – dos Povos Goitacaz, Aimoré e de diversas etnias situadas ao longo do Vale do Paraíba, na então Capitania de São Vicente, contra o domínio português. A Confederação dos Tamoios foi dizimada pelo poderio bélico de Estácio de Sá, auxiliado pelos flecheiros Temiminó, inimigos dos Tupinambá, mas permaneceu vivo o conceito expresso na própria palavra “Tamoio”, que vem do vocábulo Tupi “Tamuya”, significando “o mais Velho, o mais Antigo” e denotando a primazia – ao menos moral – dos Povos Originários sobre esse solo onde se constituiu uma nação chamada Brasil, bem como o ideal de união dos Povos Ameríndios para conquista de seus direitos elementares.

O Movimento Tamoio declara que o espaço do antigo Museu do Índio, no Maracanã, é Patrimônio Indígena – aberto a todos aqueles que desejam apoiar a causa - e propõe que o espaço seja reformado e usado – não somente como vitrine para as questões discutidas pelo Movimento Indígena, como políticas públicas para os Povos Originários, tais como demarcação de terra e diferenciação nas áreas de Saúde e Educação – para a criação de uma Universidade Indígena no Rio de Janeiro, promovendo educação diferenciada, saberes ancestrais, ministrados por anciãos das mais diversas etnias, e ensino de História e Cultura Indígena (de acordo com os ditames da Lei nº. 11.645/08 de março/2008).

Está sendo elaborado um projeto de criação de um pólo de Ensino à Distância, com sede no espaço do antigo Museu do Índio, com o objetivo de prover formação a indígenas das partes mais remotas do país nas áreas de Educação, Saúde, Meio Ambiente e Assistência Social, promovendo assim a elevação do IDH dos Povos Originários. Muitas escolas públicas e particulares já visitaram o local para conhecer de perto a cultura e os costumes predominantes no Brasil antes da chegada de Cabral e a realidade indígena contemporânea. Instituições como a APAE também levaram seus alunos para conhecer o local, por meio do apoio da SOCITO – Sociedade Civil e Cidadania para todos.

A sustentabilidade do espaço é o que mais preocupa no momento, já que os ocupantes do Museu vivem exclusivamente de artesanato e doações. A política de doações aos resistentes ainda funciona de forma precária, tendo, inclusive, alguns dos ocupantes passado necessidades no empenho heróico de defender a posse do espaço, Patrimônio Indígena. Os indígenas sediados no RJ são impedidos de venderem livremente seus artesanatos na praia de Copacabana, cartão postal do Rio de Janeiro, e em outros logradouros públicos da cidade pela Postura Municipal, apesar do Estatuto do Índio (Lei 6.001/73) e a Convenção 169 da OIT disporem sobre o respeito e a promoção do artesanato indígena como forma de subsistência e expressão cultural e da Constituição garantir textualmente esse direito, pois, segundo a Carta Magna, é mister “respeitar, ao proporcionar aos índios meios para o seu desenvolvimento, as peculiaridades inerentes à sua condição” e “assegurar aos índios a possibilidade de livre escolha dos seus meios de vida e subsistência”.

A instalação de um espaço próprio, de Propriedade Indígena, em local privilegiado, próximo ao Maracanã, é uma garantia para que indígenas de todas as etnias possam comercializar seus artesanatos livremente e enriquecer o contato inter-étnico com cariocas e turistas, já com vistas nos eventos esportivos de 2014 e 2016. Contamos com o apoio de todos, Instituições, Organizações Indígenas ou não, para a defesa e reforma desse patrimônio inalienável para as populações indígenas brasileiras, destinado à educação e à transmissão de cultura, hoje ameaçado de demolição para construção de um estacionamento, assim como apelamos para a solidariedade com nossos irmãos indígenas que, sem qualquer aporte financeiro, resistem na defesa do prédio do antigo Museu bem como do terreno que o abriga, espaço coberto de árvores centenárias e ninhos de pássaros, em meio à selva urbana de cimento e concreto armado do Rio de Janeiro.

Rio de Janeiro, 15 de Novembro de 2009.
CESAC Rua Maracá n° 7 - Tomas Coelho/RJ - CEP: 21220 -770
Tel.: (21) 9504 -7517

10 de janeiro de 2012

Centro Cultural Indígena - Vida na Aldeia Maracanã - Almoço Apurinã

A Aldeia Maracanã 
Estas fotos fazem parte de uma reportagem sobre a Aldeia Maracanã (http://zequinhabarreto.org.br/?p=14384) 
Ocupação "Aldeia Maracanã" no terreno do antigo Museu do Índio, edifício ao fundo da imagem.  Foto: Renan Oliveira. (http://zequinhabarreto.org.br/?p=14384) 
Afonso Apurinã, que está desde o início da ocupação, com o estádio Maracanã ao fundo. Foto: Renan Oliveira. (http://zequinhabarreto.org.br/?p=14384)
Urutau Guajajara, mestrando em linguística na Uerj e professor da língua Tupi na ocupação do Museu. Foto: Renan Oliveira.((http://zequinhabarreto.org.br/?p=14384)
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O vídeo abaixo, capturado no YouTube (há muitos outros), mostra a gastronomia apurinã e a presença da vegetação na Aldeia Maracanã, fundada por indígenas de várias etnias, localizada no Rio de Janeiro, no bairro do Maracanã.
Resenha
Quem passa e olha, não vê a beleza dentro do Centro Cultural Indígena. Ali existem várias espécies de plantas medicinais e outras que os próprios indígenas plantam e colhem para o seu dia a dia. As ocas estão presentes, e isso é fácil de ser comprovado quando falamos com várias etnias neste espaço cheio de paz! Na Aldeia Maracanã uma vez por mês tem a contação de história, que é apreciada por todos que ali passam, inclusive tem até mesmo o Teatro de Bonecos para o público infantil. O almoço normalmente é o peixe feito na folha de bananeira pela etnia Apurinã. Como se pode ver, o Centro Cultural Indígena está cada vez mais presente na vida daqueles que sentiram o gosto pelo verdadeiro conhecimento de nossa história e nem os livros contam.