A cidade forma e transforma, é lugar de educação e reeducação, espaço de exercício da compreensão do compreender do outro. Somos uma legião de moradores e trabalhadores que vem e vão, mas as relações e a materialidade que construímos permanecem nas ruas, nos prédios. É este o nosso modo de ser urbano, de ser humano.
Textos criativos,filosóficos, históricos e literários; itinerários, depoimentos e relatos para pensar a cidade como lugar de educação. O foco é o Rio de Janeiro mas experiências em outras cidades também são contempladas.
Produzido no Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro - ISERJ. Nosso e-mail: cidadeeducativa@googlegroups.com
27 de março de 2011
26 de março de 2011
O semeador de estrelas
Existem momentos em nossa vida que por mais que queiramos não conseguimos enxergar o óbvio. O Semeador de Estrelas é uma estátua localizada em Kaunas, Lituânia. Durante o dia passa despercebida.
Mas quando a noite chega, a estátua justifica seu nome.
Mas quando a noite chega, a estátua justifica seu nome.
Que possamos sempre ver além daquilo que está diante de nossos olhos, hoje e sempre.
Fonte:
22 de março de 2011
Em qual dessas cidades você moraria?
A Cidade de Óbvio
Luis Fernando Veríssimo
Luis Fernando Veríssimo
É fácil localizar a cidade de Óbvio.
Ela fica exatamente onde você esperava que ela ficasse. Quem for de carro deve seguir as indicações da estrada até chegar onde quer ir: aí é Óbvio. Pode-se ir de ônibus, tendo o cuidado de pegar um que não vá para outro lado, ou de trem, desde que se desça na estação. O nome da cidade - Óbvio - está escrito na estação. Se o nome na estação for outro, não é Óbvio. É Claro.
Em Óbvio tem uma praça central onde ficam a igreja matriz e a prefeitura. Na igreja são rezadas as missas enquanto que a administração da cidade se concentra, convenientemente, na prefeitura. Apesar de uma certa mesmice, as casas de Óbvio, todas feitas com material de construção, se distinguem por certos detalhes arquitetônicos, como janelas e portas que abrem e fecham. Existem ruas. A cidade é cheia de lugares comuns.
Em Óbvio conversa-se pouco. Primeiro porque, desde a fundação da cidade, ninguém jamais teve um pensamento original e os assuntos se repetem. Segundo porque as pessoas não precisam dizer nada: está tudo na cara.
Óbvio fica logo depois de Evidente, para quem vai à Redundância. Os principais produtos da região são truísmos e frases feitas. Quando a temperatura baixa faz frio mas os termômetros sobem quando esquenta. E Óbvio tem uma peculiaridade climatérica. Lá chove no molhado.
O hotel se chama Ostracismo e fica numa rua obscura, de pouco movimento. Na sua lista de hóspedes estão alguns nomes ilustres, mas dos quais raramente se ouve falar. - Que fim levou o fulano? - Está no Ostracismo. Ostracismo fica no bairro de Desgraça. É praticamente o único hotel da região. Quem cai em Desgraça vai automaticamente para o Ostracismo. O hall de entrada vive na penumbra. Os poucos hóspedes que freqüentam o hall mal se olham e nunca se falam. É difícil registrar-se no hotel porque muitas vezes o próprio pessoal da recepção recusa-se a falar com o recém-chegado. O máximo da rejeição é alguém ser persona non grata no Ostracismo. O hotel tem um bar, o Pária's, e um restaurante, o L'Execrable. No bar só servem Black Label - todos os uísques têm uma tarja preta. Do Black & White só servem o Black. O pão para o restaurante é feito no próprio hotel, pelo Diabo. A Suíte Ex-Presidencial, chamada Suíte Janio Quadros enquanto Janio a ocupou durante o seu período de Desgraça, tem a vantagem de dar para um paredão. Os outros quartos não dão para nada. O prédio do hotel não tem poço, tem depressão. Os elevadores só descem. Quando você chama o room service, vai um ladrão e faz o serviço no quarto. Nunca há visitas para quem está no Ostracismo. Ninguém lhes telefona. Não chegam cartas, só velhas contas a ajustar. É o único hotel do mundo onde as baratas têm nojo dos hóspedes.
Ela fica exatamente onde você esperava que ela ficasse. Quem for de carro deve seguir as indicações da estrada até chegar onde quer ir: aí é Óbvio. Pode-se ir de ônibus, tendo o cuidado de pegar um que não vá para outro lado, ou de trem, desde que se desça na estação. O nome da cidade - Óbvio - está escrito na estação. Se o nome na estação for outro, não é Óbvio. É Claro.
Em Óbvio tem uma praça central onde ficam a igreja matriz e a prefeitura. Na igreja são rezadas as missas enquanto que a administração da cidade se concentra, convenientemente, na prefeitura. Apesar de uma certa mesmice, as casas de Óbvio, todas feitas com material de construção, se distinguem por certos detalhes arquitetônicos, como janelas e portas que abrem e fecham. Existem ruas. A cidade é cheia de lugares comuns.
Em Óbvio conversa-se pouco. Primeiro porque, desde a fundação da cidade, ninguém jamais teve um pensamento original e os assuntos se repetem. Segundo porque as pessoas não precisam dizer nada: está tudo na cara.
Óbvio fica logo depois de Evidente, para quem vai à Redundância. Os principais produtos da região são truísmos e frases feitas. Quando a temperatura baixa faz frio mas os termômetros sobem quando esquenta. E Óbvio tem uma peculiaridade climatérica. Lá chove no molhado.
O hotel se chama Ostracismo e fica numa rua obscura, de pouco movimento. Na sua lista de hóspedes estão alguns nomes ilustres, mas dos quais raramente se ouve falar. - Que fim levou o fulano? - Está no Ostracismo. Ostracismo fica no bairro de Desgraça. É praticamente o único hotel da região. Quem cai em Desgraça vai automaticamente para o Ostracismo. O hall de entrada vive na penumbra. Os poucos hóspedes que freqüentam o hall mal se olham e nunca se falam. É difícil registrar-se no hotel porque muitas vezes o próprio pessoal da recepção recusa-se a falar com o recém-chegado. O máximo da rejeição é alguém ser persona non grata no Ostracismo. O hotel tem um bar, o Pária's, e um restaurante, o L'Execrable. No bar só servem Black Label - todos os uísques têm uma tarja preta. Do Black & White só servem o Black. O pão para o restaurante é feito no próprio hotel, pelo Diabo. A Suíte Ex-Presidencial, chamada Suíte Janio Quadros enquanto Janio a ocupou durante o seu período de Desgraça, tem a vantagem de dar para um paredão. Os outros quartos não dão para nada. O prédio do hotel não tem poço, tem depressão. Os elevadores só descem. Quando você chama o room service, vai um ladrão e faz o serviço no quarto. Nunca há visitas para quem está no Ostracismo. Ninguém lhes telefona. Não chegam cartas, só velhas contas a ajustar. É o único hotel do mundo onde as baratas têm nojo dos hóspedes.
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A borboleta amarela
Rubem Braga
Era uma borboleta.A borboleta amarela
Rubem Braga
Passou roçando em meus cabelos, e no primeiro instante pensei que fosse uma bruxa ou qualquer outro desses insetos que fazem vida urbana; mas, como olhasse, vi que era uma borboleta amarela.
Era na esquina de Graça Aranha com Araújo Porto Alegre; ela borboleteava junto ao mármore negro do Grande Ponto; depois desceu, passando em face das vitrinas de conservas e uísques; eu vinha na mesma direção; logo estávamos defronte da A.B.I. Entrou um instante no hall, entre duas colunas; seria um jornalista? – pensei com certo tédio. Mas logo saiu.
E subiu mais alto, acima das colunas, até o travertino encardido. Na rua México eu tive de esperar que o sinal abrisse: ela tocou, fagueira, para o outro lado, indiferente aos carros que passavam roncando sob suas leves asas. Fiquei a olhá-la.
Tão amarela e tão contente da vida, de onde vinha, aonde iria? Fora trazida pelo vento das ilhas – ou descera no seu vôo saçaricante e leve da floresta da Tijuca ou de algum morro – talvez o de São Bento Onde estaria uma hora antes, qual sua idade?
Nada sei de borboletas. nascera, acaso, no jardim do Ministério da Educação? Não; o Burle Marx faz bons jardins, mas creio que ainda não os faz com borboletas – o que, aliás, é uma boa idéia. Quando eu o mandar fazer os jardins de meu palácio, direi: Burle, aqui sobre esses manacás, quero uma borboleta amar e...
Mas o sinal abriu e atravessei a rua correndo, pois já ia perdendo de vista a minha borboleta. A minha borboleta! Isso, que agora eu disse sem querer, era o que eu sentia naquele instante: a borboleta era minha – como se fosse meu cão ou minha amada de vestido amarelo que tivesse atravessado a rua na minha frente, e eu devesse segui-la.
Reparei que nenhum transeunte olhava a borboleta; eles passavam, devagar ou depressa, vendo vagamente outras coisas – as casas, os veículos ou se vendo –, só eu vira a borboleta, e a seguia, com meu passo fiel.
Naquele ângulo há um jardinzinho, atrás da Biblioteca Nacional. Ela passou entre os ramos de acácia e de uma árvore sem folhas, talvez um "flamboyant"; havia, naquela hora, um casal de namorados pobres em um banco, e dois ou três sujeitos espalhados pelos outros bancos, dos quais uns são de pedra, outros de madeira, sendo que estes são pintados de azul e branco.
Notei isso pela primeira vez, aliás, naquele instante, eu que sempre passo por ali; é que a minha borboleta amarela se tornava sensível às cores. Ela borboleteou um instante sobre o casal de namorados; depois passou quase junto da cabeça de um mulato magro, sem gravata, que descansava num banco; e seguiu em direção à Avenida.
Amanhã eu conto mais.
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