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25 de abril de 2011

Carta para um lugar no Rio de Janeiro - Meu querido Grajaú

Mônica S. Vallim
Quando vim morar no Rio de Janeiro, tinha uns 15 anos e a cidade não era violenta como é hoje. Havíamos sido criados em casas com quintais, e era a primeira vez que moraríamos num apartamento, mas qual não foi a minha surpresa ao me deparar com aquela vista privilegiada. Da janela do meu quarto eu avistava uma floresta! Parecia um quadro emoldurando uma paisagem.
Guardo as boas lembranças de uma pedra enorme que se destacava da vegetação, e que parecia a morada da lua e do sol. No entardecer, pouco a pouco, o sol se escondia por trás dessa pedra e o céu anunciava com seu multicolorido de tons mais escuros o fim de mais um dia. Era um espetáculo místico, todos os fins de tarde, apreciar a chegada da noite da minha janela. Às vezes, a escuridão do céu escondia a grande pedra e a floresta, e eu apreciava apenas as estrelas, mas quando era noite de lua cheia a grande pedra também brilhava. Parecia que ela piscava e me convidava a desvendá-la.
Todas as vezes que avistava aquela pedra, eu prometia a mim mesma bem baixinho: um dia eu vou tocar em você, um dia te verei de pertinho.
Mas eu era recém chegada numa cidade grande, num colégio novo, com suas “panelinhas” formadas. Tinha apenas meus irmãos como amigos. Meus colegas da antiga escola, das brincadeiras de rua, ficaram em outros estados que morei. Contudo, sobrevivi à adolescência, apesar ou, quem sabe, justamente por ter esta pedra em meu caminho.
***
Um dia, meu irmão caçula de 11 anos me confidenciou que iria às escondidas fazer uma caminhada até a Pedra com um amigo. Pediu segredo. Aproveitei-me da situação e impus uma condição. Eu guardaria o segredo se me levassem e, para a minha surpresa, eles prontamente concordaram. Também pudera, quem era a mais velha naquela aventura secreta? O certo é que dissemos em casa que iríamos fazer uma caminhada pelo novo bairro, sem especificar o local. Omissão não é mentira, é esquecimento estratégico, pois se anunciássemos aonde iríamos ouviríamos um sonoro não. Eu nem dormi direito na véspera de tanta ansiedade e medo de sermos descobertos. Durante a madrugada preparamos o lanche, biscoitos, sanduíches e enchemos nossos cantis com água fresca.
Durante o café da manhã, ainda catamos umas frutas e um bom pedaço de bolo de cenoura para comermos pelo caminho, e partimos animados com nossos trajes de praia escondidos por baixo da roupa. Partimos da Rua Uberaba, em direção à Reserva Florestal do Grajaú na Rua Comendador Martinelli 740, especificamente em direção ao Pico do Perdido que também é conhecido por Bico do Papagaio ou Pedra do Andaraí. Meu irmão disse que havia uma cachoeira por lá.
Embora morássemos em apartamento, durante o trajeto até a Reserva observamos que existiam poucos edifícios. Ainda havia muitas casas com quintais enormes e arborizados em nosso bairro. Algumas ruas até tinham árvores enormes. A avenida Engenheiro Richard me chamou a atenção por ser repleta de tamarineiras.
Quando chegamos, a Reserva ainda estava fechada e tivemos que esperar a abertura dos portões por quase meia hora. Mas a espera foi recompensada quando começamos a explorar aquele paraíso. À medida que seguíamos em direção ao Pico do Perdido olhávamos a cidade lá do alto. Tudo parecia pequeno e silencioso. Dava a impressão que a cidade ainda não tinha acordado direito. Sentíamos-nos distantes do barulho e do caos urbano de buzinas e freadas. Ao longe, ouvíamos o apito de uma fábrica.
***
O nosso experiente guia, embora fosse o mais alto, era uns três anos mais novo que eu, mas conhecia bem aquelas trilhas, pois já havia feito outras caminhadas por ali. De repente, percebi – já não avistava ou ouvia mais a cidade. Estávamos dentro da floresta . O que se ouvia eram uns piados estranhos, barulho de bicho correndo na mata, o canto distante de algum pássaro e o cri-cri constante dos grilos. Observávamos atentamente o caminho, pois alguns animais diferentes podiam estar escondidos, camuflados nas folhagens, e podíamos pisar neles sem querer. Foi então que ouvimos um barulho... da cachoeira! Apressamos o passo. Eu estava cansadíssima, sugeri uma parada para o lanche, mas queríamos aproveitar aquela fartura de água e não podíamos nos demorar ali, pois o objetivo era chegarmos ao Pico e estarmos de volta em casa antes das três horas da tarde para não levantar suspeitas.
A parada foi rápida e refrescante. Resolvemos deixar o lanche para mais tarde quando chegássemos ao Pico, e logo retomamos a caminhada.
A trilha foi longa e repleta de surpresas. Em cada canto da floresta se descobria uma novidade. Vários insetos e plantas diferentes com coloridos exóticos, borboletas gigantescas, micos, camaleões. Lembro que também cruzamos com uma cobra, era uma jararaca. Deu medo, mas como não mexemos com ela, conseguimos passar tranquilamente.
***
Caminhar por tuas matas me deu uma enorme paz e satisfação. Gerou um encantamento nunca dantes experimentado e, mesmo cansada, em nenhum momento pensei em desistir.
Finalmente quando chegamos ao Pico do Perdido e pus as mãos em você, senti o teu calor, foi como se me passasse um pouco da tua energia boa, e a sensação de que havia te encontrado perdura até hoje. Os meninos resolveram ir até o cume, mas naquele momento eu me contentei em ir até ali. Porém, agora que estamos separadas por uma serra, todas as vezes que desço a Grajaú-Jacarepaguá a caminho do Instituto de Educação, e te avisto de longe, toda imponente e poderosa, bate uma saudade danada daquela aventura e eu repito baixinho só pra mim: um dia te toco de novo grande pedra.
Fontes

8 comentários:

  1. ... Marcamos para quando uma segunda subida à pedra do Andaraí?

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  2. Eu fui mts vezes lá, praticamente era meu playground natural. Cheguei até a acampar nessa Reserva. Eram outros tempos e eu era jovem. Depois a vida tomou outro rumo, mudei de bairro e me distanciei daquele paraíso. Mas podemos marcar uma ida à Reserva. Ela abre às 8h, e mesmo que fôssemos só até a pracinha para um picnic já seria uma boa caminhada, pq para ir até ao Pico do Perdido tem que ter muita disposição. Naquela época era bem tranquilo lá em cima, mas hoje eu não sei como está a questão da segurança no local.

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  3. Nossa que saudade dessa época quando se podia brincar e curtir realmente a infância em toda sua plenitude, sem o temor de toda a violência que existe nos dias de hoje, muito bacana relembrar, os bons tempos, onde não havia ainda em voga o lado obscuro da globalização.

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  4. Tb guardo saudades dessa época, mas cadê disposição e coragem agora p subir aquilo tudo de novo?
    Voltar lá, talvez seja um desejo que eu leve p eternidade...rs

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  5. Fui muitas vezes com meu pai lá em cima. Moro no Grajaú há muito tempo. Minha família foi das primeiras a morar no bairro. Gostei demais de recordar a partir de suas palavras. Parabéns, menina!

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  6. Olá, adorei suas palavras descrevendo esse pico, essa pedra, que na verdade considero-a e a reconheço como uma pirâmide. Moro no Grajaú, mas infelizmente não a vejo de minha residência, embora já saia de casa, na Rua Uberaba e já esteja pronta para seus encantos. Sim, vc deve achar estranho que a chamo de pirâmide. Mas como sou mística, estudo magia, sei que ali há um grande portal, uma sensação muito boa de algo fora dessa realidade que estamos vendo. O concreto é só na forma e aparência, pois sei que ela esconde encantamentos que só alguns podem perceber na sua mais sutil vibração e sensibilidade. Acho que vc a percebeu e sentiu.... ADORO meu bairro, ADORO essa pedra, ADORO sua essência mística e oculta, sobretudo quando o sol a ilumina revelando seus recantos e suas nuances.

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    1. Eu não acho estranho você percebê-la como uma pirâmide natural, pois é o que ela realmente é. Ela é uma pedra muito especial, linda que hipnotiza a gente. A sensação de tocá-la foi realmente muito positiva e mágica na minha vida, Capaz de neutralizar tudo de ruim que me acontecia naquele momento. Talvez por isso mesmo prefira a denominação de Pico do Perdido, pois era assim que me sentia até encontrá-la.

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