Textos criativos,filosóficos, históricos e literários; itinerários, depoimentos e relatos para pensar a cidade como lugar de educação. O foco é o Rio de Janeiro mas experiências em outras cidades também são contempladas.
Trago aqui um pequeno comentário sobre uma tocante visita ao Museu da Maré. Na ocasião, pude conferir a exposição temporária "Som da Maré".
O blog de autoria de Pedro Rebelo descreve o projeto na íntegra. Para visitá-lo, clique AQUI.
Por um labirinto cenográfico, caminhamos ouvindo jovens moradores nos contarem a história deste lugar, hoje um complexo de favelas chamado Maré. Assim, o labirinto cria, no espaço, aquilo que, no tempo, é a lembrança.
Passeamos pelo incrível cenário, descortinamos o seu passado, ao mesmo tempo percebendo os signos premonitórios de um novo futuro.
Ver o trabalho dos guias locais é vislumbrar nas ruínas dessa história, como diria Walter Benjamin, outras leituras do que poderia ter sido e não foi. Para ele, a democracia requer memória histórica, aquela possível de ser revisitada e contestada. E foi isso que senti vendo ali aqueles jovens narrarem a história cultural de muita luta de sua comunidade.
Com sua exposição permanente “Os Tempos da Maré”, o Museu nos provoca uma experiência sensível e profunda. Doze tempos formam um grande calendário: Água, Migração, Casa, Trabalho, Feira, Festa, Fé, Cotidiano, Criança, Medo e Futuro. Do TEMPO DE CRIANÇA, trago um fragmento que muito nos interessa para pensar a cultura urbana moderna que tira as crianças da rua, tida como lugar perigoso! Esta concepção presente em inúmeros projetos sociais da comunidade aparece assim problematizada no espaço das crianças:
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De muito fácil acesso, o Museu tem um site com todas as informações disponíveis para visitação e lindas imagens, inclusive uma exibição virtual de "Os 12 tempos da Maré". Dê um pulo lá. Basta clicar AQUI.
Ainda nos dias de hoje, mesmo na ausência de guerras mundiais, negligenciamos os direitos das crianças viverem e
conviverem com qualidade a
História, a Educação, o Lazer, a Saúde...
Meu primeiro contato com os
preceitos de Janusz Korczak foi no curso de extensão em Pedagogia Social,
oferecido pelo Projeto PIPAS-UFF, em uma palestra da professora Monica
Picanço, no dia 24 de abril de 2014. Suas ideias permanecem atuais e
conhecê-las só nos reforça a certeza da necessidade de um maior cuidado e afeto
para com essa fase primária. Assim como Rousseau e Pestalozzi, Korczak via o amor como primordial,
desconfiando da exclusividade da razão no desenvolvimento humano.
Médico e pedagogo, seu verdadeiro nome era Henryk
Goldszmit, mas adotou o pseudônimo de Janusz Korkzac. Pregava o respeito a todos, independente da idade. Para ele, as crianças
não iriam se tornar pessoas no futuro, por já serem pessoas.Assim como a centralidade do amor, a autogestão da criança
fazia parte de sua proposta pedagógica, que também se valia do método de observação empregado na medicina. Humanista e espiritualista,
defendia o desenvolvimento da autonomia da criança.
Nasceu em 22 de julho de 1878, em Varsóvia, Polônia. Além de médico pediatra e pedagogo, foi radialista e activista social. Judeu, foi assassinado em 05 de agosto de 1942, em Treblinka.
Em 1901, começou a dar aulas se
aprofundando na teoria de Pestalozzi. Criou uma metodologia de ensino a partir
de uma “caixa de surpresas”, da qual tirava objetos que contextualizava através de diversos conteúdos e aplicações. Em 1911, começou a buscar mais iuntensamente uma pedagogia que, além de ajudar, transformasse a vida das crianças.
Em1912, inaugurou o orfanato “Lar das
crianças”, depois conhecido como “República das Crianças”, cuja filosofia era de defesa de uma sociedade compreensiva e respeitosa para com
as crianças. Essas, por fazerem parte do processo de transformação social, não poderiam ser consideradas como sujeitos passivos. Assim, para Korczak, olhar a criança é ver suas
possibilidades, e não aceitar que elas sejam coibidas em seu ser ou fazer.
Como uma das precursoras da escola
democrática e pelo seu respeito às crianças, sua pedagogia serviu de base para a
“Declaração dos Direitos das Crianças” e posteriormente para a “Convenção
dos Direitos da Criança”.
Janusz Korczak não era um
teórico frio e distante, mas um homem que optou radicalmente por suas crianças. Morreu numa câmara de gás, pois não aceitou um salvo-conduto de Hitler, que
poupava a sua vida. Preferiu permanecer unido a 200 crianças do seu orfanato,
que foram despejadas e depois condenadas à morte pelo ditador nazista.
Veja o filme "As 200
Crianças do Doutor Korczak” (1990), com direção de Andrzej Wajda. Nele, você verá o contraste entre os princípios de justiça
dentro do orfanato e a prática da injustiça fora da instituição.
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Nas práticas que orientam a
proposta pedagógia de Janusz Korczak:
1.A
criança é um sujeito.
2. A centralidade é no amor.
3.Na
autogestão pedagógica, o adulto apenas auxilia a criança na busca diária de
crescimento, amadurecimento e autoconhecimento.
A organização, no “Lar
das Crianças”, depois “República das Crianças”, conta com:
·Parlamento
·Tribunal
de Arbitragem
·Comissão
Legislativa
·Comitês
·Caixas
de Cartas (onde eram colocadas sugestões, dúvidas, reclamações, e o autor
poderia ficar anônimo se quisesse)
·Jornais
·Mural
·Plebiscito
Os princípios norteadores de sua
teoria são:
1.Aprendizagem das disciplinas
com base nas práticas democráticas (simulação de tribunais, por exemplo)
2.Complementação trabalho
intelectual e trabalho manual (todos exerciam os cuidados com
a escola)
3.Aprendizagem pela explicitação, consideração e resolução dos conflitos
4.Admissão da
punição como um valor educativo apenas quando promotora de conscientização
5.Consideração da
educação como um processo coletivo
A realização desses princípios
geravam:
·Autogestão
das crianças
·Educação
pelo trabalho
·Adoção consciente
das normas estabelecidas para a vida em comum
·Domínio
de si conquistado gradualmente
·Um
sistema original de recompensas e punições (tendo em vista a sensibilidade para com o outro)
·Numerosas
formas de atividades educativas e recreativas, coerentes às necessidades das
crianças, por diversas linguagens
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PERPETUAR XTRANSFORMAR
A SOCIEDADE
A criança “acomodada” é o sonho
da educação contemporânea. A escola produz sujeitos, com um imenso risco de tornar a criança um ser humano fraco e covarde. Em sua trajetória, Korczak traduziu a dor e a perplexidade em relação à perversidade humana, produzindo uma obra
que mostra a importância da tolerância e respeito para com as crianças.
Janusz Korczak
deixou muitos escritos, dentre os quais 24 livros e cerca de mil artigos publicados
em revistas. As principais obras incluem “Como Amar uma Criança” e “O Direito
da Criança ao Respeito” que 30 anos depois, viriam a inspirar a Declaração dos
Direitos das Crianças, das Nações Unidas.
Bibliografia sugerida:
Como amar uma criança. 4º
ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
O Direito da Criança ao Respeito. São Paulo. Ed. Summus. 1986.
Quando eu voltar a ser
criança. 4º ed. São Paulo: Summus,1985.
Sobre o autor:
MARANGON,
Ana Carolina Rodrigues. Janusz Korczak, precursor dos direitos da criança: uma
vida entre obras. São Paulo: UNESP, 2007.