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30 de julho de 2011

Escola cidadã, cidade educadora (anotações)

Moacir Gadotti e Paulo Roberto Padilha
Fragmentos do livro Cidade Educadora: princípios e experiências
          A relação entre "escola cidadã"e "cidade educadora"encontra-se na própria origem etimológica das palavras "cidade" e "cidadão". Ambas derivam da mesma palavra latina civis, cidadão, membro livre de uma cidade a que pertence por origem ou adoção, portanto sujeito de um lugar, aquele que se apropriou de um espaço, de um lugar. Assim, cidade (civitas) é uma comunidade política cujos membros, os cidadãos, se autogovernam, e cidadão é a pessoa que goz do direito de cidade. "Cidade", "cidadão", "cidadania" referem-se a uma certa concepção da vida das pessoas, daquelas que vivem de forma "civilizada" (de civilitas, afabilidade, bondade, cortesia), participando de um mesmo território, autogovernando-se, construindo uma "civilização". É claro que, em Roma, esse conceito de sujeito da cidade era limitado apenas a poucos homens livres, cuja cultura era o reflexo do ócio e não do trabalho. O trabalho era reservado a numerosos escravos. Estes eram sujeitos "sujeitados", submetidos e, portanto, não eram considerados civilizados, mas estrangeiros, bárbaros, não podendo usufruir os benefícios da civilização.
***
          Foi Paulo Freire quem melhor definiu uma educação para e pela cidadania, quando, nos Arquivos Paulo Freire, em São Paulo, em 19 de março de 1997, numa entrevista à TV Educativa do Rio de Janeiro, falou de sua concepção da "escola cidadã":
          A escola cidadã é aquela que se assume como um  centro de direitos e de deveres. O que a caracteriza é a formação para a cidadania. A Escola Cidadã, então, é a escola que viabiliza a cidadania de quem está nela e de quem vem a ela. Ela não pode ser uma escola cidadã em si e para  si. Ela é cidadã na medida mesma em que se exercita na construção da cidadania de quem usa o seu espaço. A Escola Cidadã é uma escola coerente com a liberdade. É coerente com o seu discurso formador, libertador. É toda escola que, brigando para ser ela mesma, luta para que os educandos-educadores também sejam eles mesmos. E como ninguém pode ser só, a Escola Cidadã é uma escola de comunidade, de companheirismo. É uma escola de produção comum do saber e da liberdade. É uma escola que vive a experiência tensa da democracia.
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          Tanto na sua concepção quanto nas sua práticas, a escola cidadã se traduz por diferentes nomes e características próprias. pode-se falar até em "tendências"diversas de Escola Cidadã. E isso é natural, na medida em que não se pode separar "cidadania" de "autonomia". Sob muitos nomes encontramos a escola cidadã: "Escola Pública Popular" (São Paulo), "Escola Democrática" (Betim, MG), "Escola Plural" (Belo Horizonte), "Escola Candanga"(Brasília), "Escola Mínima" (Gravataí, RS), "Escola Sem Fronteiras" (Blumenau, SC), "Escola Guaicuru" (Estado do Mato Grosso do Sul), "escola de Tempo Integral (Colatina, ES), "Escola Desafio" (Ipatinga, MG).
Nota
Lembrar que o livro foi publicado em 2004.
Muitos desses nomes de projetos ou programas podem não existir mais
ou terem se transformado em outros.
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          A cidade dispõe de inúmeras possibilidades educadoras. A vivência na cidade se constitui num espaço cultural de aprendizagem permanente por si só. Mas a cidade pode ser "intencionalmente" educadora. Uma cidade pode ser considerada como uma Cidade Educadora, quando, além de suas funções tradicionais - econômica, social, política e de prestação de serviços - ela exerce uma nova função cujo objetivo é a formação para e pela cidadania. Para um cidade ser considerada educadora ela precisa promover e desenvolver o protagonismo de todos - crianças, jovens, adultos, idosos - na busca de um novo direito, o direito à cidade educadora.
          [...] Nesse contexto, o conceito de "Escola Cidadã" ganha um novo componente: a comunidade educadora reconquista a escola no novo espaço cultural da cidade, integrando-a a esse espaço, considerando suas ruas e praças, suas árvores, seus pássaros, seus cinemas, suas bibliotecas, seus bens e serviços, seus bares e restaurantes, seus teatros e igrejas, suas empresas e lojas... enfim, toda a vida que pulsa na cidade. A escola deixa de ser um espaço abstrato para inserir-se na vida da cidade e ganha, com isso, nova vida. A escola se transforma num novo território de construção da cidadania.
Continua...

20 de julho de 2011

Aventura urbana perigosa

Foto: Caminhando pela cidade
Cuidado com a rotina nos trajetos urbanos! Atualmente é uma roleta russa passar perto de bueiros na cidade do Rio de Janeiro. Está vazando gás no Rio de Janeiro?! Por quê?! Como assim?! A sociedade carioca não paga pelo tratamento do seu esgoto? Prefere deixá-lo encalhado pelas galerias produzindo metano e mau cheiro? Somente agora será realizado o mapeamento das tubulações e bueiros pelos órgão competentes? As tais plantas hidráulicas e elétricas feitas pelos engenheiros não são uma espécie de pré-requisito para aprovação de uma obra, particular ou pública? A realização prévia das mesmas não faria parte de uma etapa, assim como é preciso fazer o ensino médio, antes do vestibular e esse antes do ensino superior? Podemos ficar tranquilos, esperando que a mídia encontre o(s) culpado(s)? Governo Federal? Governo do Estado? Prefeitura? Companhia de energia elétrica? Companhia de água e esgoto? Engenheiros? Professores? Terroristas?
...
O vilão parece ser invisível como o vento!
Mônica S. Vallim

16 de julho de 2011

Desenho urbano

Visitando a cidade de São Paulo há algum tempo atrás fui ao Museu de Arte Moderna (MAM-SP), que ainda não conhecia, pois normalmente quando um visitante vai por aquelas bandas procura conhecer o MASP. As duas visitas valem a pena mas, dessa ida ao MAM,  trouxe alguns apontamentos feitos na visita a uma exposição "Morada ecológica" (que pretendo transcrever numa outra postagem) e uma pequena publicação de distribuição gratuita. Hoje, dando uma folheada na revistinha, encontrei as 9 definições abaixo sobre o que é desenho urbano. Elas foram criadas num curso realizado no próprio MAM. As aulas são intercaladas com encontros externos onde os alunos desenham na rua a fim de "descobrir" um lugar e restituí-lo à cidade, nas palavras dos organizadores do curso. A linha azul do metrô de São Paulo é o ponto de partida. Fui visitar o blog que registra todo o trabalho. É genial. Vale a pena visitar. O endereço é: http://desenho-urbano.blogspot.com
Diz uma das coordenadoras (Cibele Lucena)
Espetacularização das cidades é essa condição rompante que vivemos todos os dias, como espectadores de uma louca produção de imagens de cidades limpas, assépticas, nas quais não existem conflitos. Essa cidade vendida em faróis de trânsito, em folhetos de protegidos empreendimentos imobiliários; dilacerada em processos de gentrificação, apagamento, limpeza urbana; essa cidade que a polícia ronda, que as cercas separam, que as catracas garantem. Uma cidade que não é a da convivência.
Mas o que seria uma micro-resistência a esse processo?
De-se-nho-ur-ba-no (let´s desenhum urbanum) smf
1 Experiência real, em um mundo virtual; 
2 Suspensão do tempo, a partir do uso coletivo de bancos-âncoras; um tipo de pescaria urbana;
3 Observação-ação da arquitetura; do micro pro macro e do macro pro micro;
4 Registro de mudanças históricas; um documento do que é a cidade hoje;
5 Percepção da vida, do cotidiano, dos incertos e insetos;
6 Prática para romper medos, quebrar indiferenças; observação, percepção, organização, socialização;
7 Encontro com a natureza da cidade;
8 Da linha reta para outra forma, de uma forma para outra; de um prédio para uma árvore, de uma árvore para um prédio; de um prédio pros nossos pés;
9 Lugar onde mudam-se os traços; onde muda a observação do desenho.
[definição criada coletivamente pelos integrantes do projeto]

15 de julho de 2011

Quem é o carioca (1)

Millôr Fernandes (Em "Que País é Este?")
          Os paulistanos(!) que me perdoem, mas ser carioca é essencial. Os derrotistas que me desculpem, mas o carioca taí mesmo pra ficar e seu jeito não mudou. Continua livre por mais que o prendam, buscando uma comunicação humana por mais que o agridam, aceitando o pão que o diabo amassou como se fosse o leite da bondade humana. O carioca, todos sabem, é um cara nascido dois terços no Rio e outro terço em Minas, Ceará, Bahia, e São Paulo, sem falar em todos os outros Estados, sobretudo o maior deles o estado de espírito. Tira de letra, o carioca, no futebol como na vida. Não é um conformista – mas sabe que a vida é aqui e agora e que tristezas não pagam dívidas. Sem fundamental violência, a violência nele é tão rara que a expressão "botei pra quebrar" significa exatamente o contrário, que não botou pra quebrar coisa nenhuma, mas apenas "rasgou a fantasia", conseguiu uma profunda e alegre comunicação – numa festa, numa reunião, num bate-coxa, num ato de amor ou de paixão – e se divertiu às pampas. Sem falar que sua diversão é definitivamente coletiva, ligada à dos outros. Pois, ou está na rua, que é de todos, ou no recesso do lar, que, no Rio é sempre, em qualquer classe social, uma open house, aberta sob o signo humanístico do "pode vir que a casa é sua". 
          Carioca, é. Moreno e de 1,70 metro de altura na minha geração, com muitos louros de 1,80 metro importados da Escandinávia na geração atual, o carioca pensa que não trabalha. Virador por natureza, janota por defesa psicológica, autocrítico e autogozador não poupando, naturalmente, os amigos e a mãe dos amigos – ele vai correndo à praia no tempo do almoço apenas pra livrar a cara da vergonhosa pecha de trabalhador incansável. E nisso se opõe frontalmente ao "paulista", que, se tiver que ir à praia nos dias da semana, vai escondido pra ninguém pensar que ele é um vagabundo. 
          Amante de sua cidade, patriota do seu bairro, o carioca vai de som (na música), vai de olho (é um paquerador incansável e tem um pescoço que gira 360 graus), vai de olfato (o odor é de suprema importância na fisiologia sexual do carioca). 
          Sem falar, que, em tudo, vai de espírito; digam o que disserem, o papo, invenção carioca, ainda é o melhor do Brasil, incorporando as tendências básicas do discurso nacional: o humanismo mineiro, o pragmatismo paulista, a verborragia baiana. 
          E basta ouvir pra ver que o nervo de todas as conversas cariocas, a do bar sofisticado como a do botequim pobre e sujo, por isso mesmo sofisticadíssimo, a do living room granfa, a da cama (antes e depois), é o humor, a crítica, a piada, a graça, o descontraimento. Não há deuses e nada é sagrado no Olimpo da sacanagem. O carioca é, antes de tudo, e acima de tudo, um lúdico. Ainda mais forte e mais otimista do que o homem da anedota clássica que, atravessado de lado a lado por um punhal, dizia: "Só dói quando eu rio", o carioca, envenenado pela poluição, neurotizado pelo tráfego, martirizado pela burocracia, esmagado pela economia, vai levando, defendido pela couraça verbal do seu humor. 
          Só dói quando ele não ri. 
          Só dói quando ele não bate papo. 
          Só dói quando ele não joga no bicho. 
          Só dói quando ele não vai ao Maracanã. 
          Só dói quando ele não samba. 
         Só dói quando ele esquece toda essa folclorada acima, que lhe foi impingida anos a fio com o objetivo de torná-lo objeto de turismo, e enfrenta a dura realidade... carioca.
JMGLA

11 de julho de 2011

As forças centrípetas da cidade

          Relendo um trecho da entrevista de Milton Santos, em 1999, à Revista Teoria e Debate, da Fundação Abramo (leia a íntegra da entrevista aqui), fica-se entusiasmado com o "espírito transformador" que uma cidade pode ter. 
          Ao responder sobre a diferença entre o campo e a cidade, ele alerta para a "esquizofrenia do território", mas também reconhece que há maior vulnerabilidade no campo. Não por acaso vimos notícias alarmantes de uma série de assassinatos de lideranças políticas no norte do país. As notícias esfriaram mas isso não quer dizer o clima por lá esteja ameno agora. Há muita gente no campo marcada para morrer.
          Diz Milton Santos que "o campo moderno é obediente; a cidade, não". Isso porque "o capital físico, fixo, não se moderniza rapidamente". Por isso, a cidade ainda atrai muita gente pobre. No caldeirão urbano, produz-se também muita gente pobre, mas outra vez o grande geógrafo faz o contraponto, as cidades fortalecem o ponto de vista da produção do futuro, da produção política, provocando uma diversidade maior da produção em termos econômicos e culturais. 
          A cidade é um ente econômico menos dependente do mercado mundial e do Estado central do que o campo. Milton Santos diz que isso a torna capaz de fazer "renascer a Nação". O termo é forte. Quem tem coragem em falar de Nação hoje em dia? 
          Quando o Estado é incapaz de administrar em conjunto os pedaços do território, há uma fragmentação dessa Nação. Como essa administração em conjunto é impossível ao Estado, cria-se uma desordem no território. A cidade é uma desordem.
          Contudo, e esse é o sopro entusiasta de Milton Santos, existe a possibilidade de ordem econômica, cultural e política nas cidades, e ela reside no olhar em direção às múltiplas formas do futuro.
          Tenho uma visão otimista,
creio que a Nação é despedaçada sobre o território como um todo
e se refugia nas grandes cidades.
É uma construção da vontade de ser cidadão
e que deverá se materializar em participação política,
em uma retomada do processo de construção nacional.
Essas são as forças centrípetas.

          Três anos depois dessa entrevista, leio um artigo (O Globo, dia 11/07/11) de um cronista espanhol do jornal El país, Juan Arías, em que ele pergunta "Por que os brasileiros não reagem?". "Nem sequer os jovens, trabalhadores ou estudantes, manifestaram até agora a mínima reação ante a corrupção daqueles que os governam."
          O artigo toma a corrupção como eixo: um vereador que ganha dez vezes, mais, um deputado que ganha cem vezes mais que um professor; dois ministros demitidos; aposentadorias nababescas de alguns; cidadãos desassistidos etc. Por que a cidade não se revolta?
          Ele relembra as passeatas pelas "Diretas já", as marchas contra o ex-presidente Collor e diz que o Brasil hoje está mudo; as únicas causas que levam milhões às ruas, diz Arias, são o homossexualismo e a religião evangélica. Ele fala em "brasileiros"; implicitamente ele pensa em Nação, mas pensando nas palavras iniciais de Milton Santos sabemos que os cidadãos se concentram nas cidades. O que aconteceu com as forças centrípetas da cidade?
          O que nos cala é a ignorância do futuro. Porém, a impossibilidade de concebê-lo, de olhar à frente, talvez esteja na falta de um olhar para os lados. Educação é isto. Compreender as condições do que nos envolve e, com prudência, seguir.
          Vamos olhar ao redor?

2 de julho de 2011

Ir à cidade

Alex Andrade
Devo um poema aos 4 anos,
no dia em que fui de ônibus à cidade.
Leio e escrevo em linhas elétricas, em Campos.
Escrevo pela pele azul petróleo pendurada sobre os bancos.

Devo um poema à praça quinze, aos meus 6 anos.
E à baía, pela brisa-travessia à Niterói.
leio um poema pela barca e seu balanço.
Leio um poema aos rostos tontos, roleta,
chão de madeira, minha primeira multidão.

Devo um poema múltiplo, aos 13 -
multiplicadas as paredes e
retocada liberdade.
Leio um poema pelas mão soltas,
escrevo em imensa tela:
à rua, devo um poema-cinema a ela.

Devo um poema, 18, aos 7 continentes,
sem fuga possível fora do enxame.
Leio turismo e escrevo projeções.
Brindo um poema às pequenas capelas
e aos cantos tribais.

Devo e escrevo com os pés desde então,
com os olhos fixos nas linhas.
Quando descondensa a ilha que é cada um,
devo e escrevo um poema de amor.
Bia Albernaz