Herika Maria Alvarenga
Desde criança, acho Copacabana um local estranho. As ruas são cheias de gentes que parecem se sentir superiores a tudo e a todos, andando como se as ruas fosse uma continuidade dos seus apartamentos. Apartamentos tão velhos como a minha avó, e olha que ela já morreu. As pessoas passam por cima, empurram e o pior não pedem licença e nem desculpa. Tem um pessoal lá muito mal educado. Até parece que não enxergam as crianças na rua pedindo qualquer coisa, a quantidade de gente pedindo esmolas e, à noite, as prostitutas (não tenho nada contra, cada um ganha a vida como pode, sei que essa profissão não é fácil). E tem outras coisas que os moradores de Copacabana sabem que tem porém são capazes de dizer que é assim mesmo, que faz parte do contexto. Muitas vezes, eles culpam outros bairros: “ah, essas pessoas que saem das suas casas para sujar Copacabana!”. Engraçado, você passeia no Arpoador, Leblon, Ipanema, São Conrado, e não tem esse amontoado de gente.
Fico a pensar porque esses moradores são assim. Muitas das vezes, eles nem têm um padrão financeiro “adequado” para Copacabana, entretanto se acham os donos do mundo, os donos da praia cantada em prosa e verso como Princesinha do Mar. Aliás, procurei e não achei quem deu este título: João de Barro (Carlos Alberto Ferreira Braga - Braguinha) e Alberto Ribeiro? Quem cantou pela primeira vez foi o Dick Farney, no ano de 1947? Tambem pesquisei e encontrei a praia Rainha do Mar. Fica no Rio Grande do Sul. Aliás, muito linda. Os moradores de Copacabana iam morrer de inveja.
***
Tenho para mim que no Rio as ruas são faculdades;
os botequins, universidade.
João Antonio
Morando defronte à praça Serzedelo Correia, no bairro de Copacabana, João Antônio (1937-1996) foi observador privilegiado do cotidiano carioca e da expressão de seus moradores. O rápido processo de transformações da cidade nos anos 1970 é flagrado no conto-reportagem Ô, Copacabana (capa ao lado).
Em seu livro Guardador, de 1992, no conto com o mesmo título, o bairro faz pano-de-fundo para descrever o cotidiano do personagem. Eis um trecho:
***
Guardador
João Antônio
... Dizia-se. Miséria pouca é bobagem.
A praça aninhava um miserê feio, ruim de se ver. A praça em Copacabana tinha de um tudo. De igreja à viração rampeira de mulheres desbocadas, de ponto de jogo de bicho a parque infantil nas tardes e nas manhãs.
Pivetes de bermudas imundas, peitos nus, se arrumavam nos bancos encangalhados e ficavam magros, descalços, ameaçadores. Dormiam ali mesmo, à noite, encolhidos como bichos, enquanto ratos enormes corriam ariscos ou faziam paradinhas inesperadas perscrutando os canteiros. Passeavam cachorros de apartamento e seus donos solitários e, à tarde, velhos aposentados se reuniam e tomavam a fresca, limpinhos e direitos. Também candinhas faladeiras, pegajosas e de olhar mau, vestidas fora de moda, figuras de pardieiro descidas à rua para a fuxicaria, de uma gordura precoce e desonesta, que as fazia parecer sempre sujas e mais velhas do que eram, tão mulheres mal amadas e expostas ao contraste cruel do número imenso das garotinhas bonitas no olhar, na ginga, nos meneios, passando para a praia, bem dormidas e em tanga, corpos formosos, enxutos, admiráveis no todo... também comadres faladeiras, faziam rodinhas do ti-ti-ti, do pó-pó-pó, do diz-que-diz-que novidadeiro e da fofocalha no mexericar, à boca pequena, chafurdando como porcas gordas naquilo que entendiam e mal como vida alheia, falsamente boêmia ou colorida pelo sol e pela praia, tão aparentemente livre mas provisória, precária, assustada, naqueles enfiados de Copacabana. Rodas de jogadores de cavalos nas corridas noturnas se misturavam a religiosos e a cantarias do Nordeste. Muito namoro e atracações de babás e empregadinhas com peões das construtoras. Batia o tambor e se abria a sanfona nas noites de sábado e domingo. Ou o couro do surdo cantava solene na batucada, havia tamborim, algum ganzá e a ginga das vozes mulatas comiam o ar. ...
A praça aninhava um miserê feio, ruim de se ver. A praça em Copacabana tinha de um tudo. De igreja à viração rampeira de mulheres desbocadas, de ponto de jogo de bicho a parque infantil nas tardes e nas manhãs.
Pivetes de bermudas imundas, peitos nus, se arrumavam nos bancos encangalhados e ficavam magros, descalços, ameaçadores. Dormiam ali mesmo, à noite, encolhidos como bichos, enquanto ratos enormes corriam ariscos ou faziam paradinhas inesperadas perscrutando os canteiros. Passeavam cachorros de apartamento e seus donos solitários e, à tarde, velhos aposentados se reuniam e tomavam a fresca, limpinhos e direitos. Também candinhas faladeiras, pegajosas e de olhar mau, vestidas fora de moda, figuras de pardieiro descidas à rua para a fuxicaria, de uma gordura precoce e desonesta, que as fazia parecer sempre sujas e mais velhas do que eram, tão mulheres mal amadas e expostas ao contraste cruel do número imenso das garotinhas bonitas no olhar, na ginga, nos meneios, passando para a praia, bem dormidas e em tanga, corpos formosos, enxutos, admiráveis no todo... também comadres faladeiras, faziam rodinhas do ti-ti-ti, do pó-pó-pó, do diz-que-diz-que novidadeiro e da fofocalha no mexericar, à boca pequena, chafurdando como porcas gordas naquilo que entendiam e mal como vida alheia, falsamente boêmia ou colorida pelo sol e pela praia, tão aparentemente livre mas provisória, precária, assustada, naqueles enfiados de Copacabana. Rodas de jogadores de cavalos nas corridas noturnas se misturavam a religiosos e a cantarias do Nordeste. Muito namoro e atracações de babás e empregadinhas com peões das construtoras. Batia o tambor e se abria a sanfona nas noites de sábado e domingo. Ou o couro do surdo cantava solene na batucada, havia tamborim, algum ganzá e a ginga das vozes mulatas comiam o ar. ...
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O que a Copacabana de João Antonio tem a ver com a de Dick Farney?
Ouça Sábado em Copacabana (Dorival Caymmi e Carlos Guinle) e tente responder.
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