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24 de junho de 2013

Direito à cidade e história da urbanização no Rio

O curta "Casas marcadas" ajuda muito a entender o que é o Direito à cidade. Ele foca o Morro da Providência e o atual, melhor dizendo, o contínuo processo de derrubada de casas para a implementação de melhorias urbanísticas e sociais. O que vemos é o velho processo de desrespeito aos pobres por parte dos governantes. E, subjacente, o mesmo processo de ignorância confortável dos privilegiados.

No filme, vemos as casas derrubadas para abrir a Presidente Vargas, num documentário de 1943. Prestem atenção no texto, na retórica que, ainda que modernizada, permanece. A aproximação passado e presente nos faz compreender melhor as falas dos moradores cujas casas foram marcadas para desaparecer. 

Para quem não lembra, esta prática vem da época colonial, com Dom João e sua corte. A diferença é que então desalojaram também imóveis da classe dirigente.

Corajosa é a fala de uma moradora que, da sua janela, declara: "Aluguel social é uma ilusão."ou "'Minha casa, minha vida' é onde eu moro." Emblemático também é o clamor de uma velha moradora por consciência, uma consciência mínima de quem tem mãe e pai. Teria sido interessante entrevistar também um trabalhador da obra. 

 
"Casas Marcadas" tem direção de um coletivo formado por
Adriana Barradas
Alessandra Schimite
Ana Clara Chequetti
Carlos E. S. Moreira (Beto)
Éthel Oliveira
Juliette Lizeray

23 de junho de 2013

O Rio acordou. E começa a pensar no direito à cidade.


24/06 (segunda-feira):
- 10h, OAB RJ: Reforma Política
- 13h, PUC Rio: "Movimento da Hora Presente: entre a rua e a universidade"
- 14h, Iesp/Uerj: "Debate coletivo: Porque não é só sobre R$0,20"
- 17h, UFRJ - Campus da PV: Plenária anti-fascista para avaliar a situação política do país
25/06 (terça-feira):
- 10h30, IFCS (sala 106): "Debate sobre o atual movimento de massas"
- 16h, Agência de Redes para Juventude (na Escola Livre da Palavra, Lapa): Debate com Luiz Eduardo Soares
- 18h, Plenária do Fórum de Lutas, na ABI ou no IFCS (a confirmar o local)

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Raquel Rolnik: a conquista do direito à cidade

(O Globo, 22 de junho de 2013)  Por Pedro Sprejer

Relatora especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Raquel Rolnik acredita que a política urbana brasileira é historicamente dominada por uma coalizão entre interesses empresariais e políticos. Ela falou ao Prosa sobre o que vê como a exigência de um novo modelo de cidade no Brasil.

O que os protestos das ruas estão expressando?

Esse movimento, ou uma parte importante dele, é pelo direito à cidade. Na hora em que a pauta e a agenda dos protestos viram não apenas o valor da tarifa e a qualidade dos transportes, mas também saúde, educação e Copa do Mundo, o que temos é uma discussão sobre o modelo de cidade em que vivemos e o modelo de cidade que queremos. A questão das políticas de transporte e mobilidade são um componente muito importante, mas não exclusivo. Nós estamos falando de uma possibilidade para enfrentar esse modelo de cidade e transformá-lo completamente.

A corrupção emperra as políticas urbanas?

A ideia de que tudo não passa de um problema moral dos políticos corruptos, na verdade, esconde quem ganha e quem perde com o atual estado das coisas no Brasil. Esconde o que é verdadeiramente uma coalizão dominante na política urbana desse país, na qual políticos ganham a reprodução de seus mandatos, podendo ou não ganhar dinheiro para seus bolsos. Em contrapartida, os interesses empresariais ganham rios de dinheiro, taxas de lucratividade enorme, com a prestação de serviços muito ruins. Falam apenas dos políticos como se o mundo privado, as empresas corruptas, não fizessem parte.

Por que o transporte público no Brasil é tão ineficiente?

Há uma hegemonia do automóvel e do transporte sobre pneus na organização da cidade, baseada na ideia de transporte individual para poucos. Transporte público sempre foi coisa de pobre. Por isso nunca teve investimentos para ter qualidade. Além disso, o lobby e o cartel que as empresas concessionárias de ônibus têm historicamente na maior parte das cidades do Brasil é altamente lucrativo. Conheço prefeitos que tentaram e não conseguiram romper esse cartel porque ele tem uma força enorme nas câmaras municipais, elege vereadores, tem um poder enorme de conseguir fazer valer os seus interesses. As concessionárias de ônibus não são o único elemento: as empreiteiras de obras públicas que fazem pontes e viadutos viários também contam com uma enorme força política nessa coalizão que financia campanhas. Aí nós não estamos falando de campanhas de vereador, estamos falando de campanhas de prefeito, governador e presidente. Há uma relação forte entre o sistema político e os interesses empresariais que giram em torno dos serviços de obras públicas.

É possível que grandes protestos nas ruas deem margem a mudanças?

Desde a Constituinte, o direito à cidade para todos já era uma das pautas. A população cobrou isso nas ruas, mas essa ruptura não aconteceu. Agora é possível que ela aconteça. O Fernando Haddad (prefeito de São Paulo), por exemplo, está rediscutindo o contrato com as concessionárias de transporte coletivo agora. Com mais de 100 mil pessoas na rua dizendo “eu quero um transporte público de qualidade”, surge uma grande oportunidade para a prefeitura efetuar uma ruptura que não pode, não quis ou não conseguiu efetuar até hoje.

Há um questionamento maior em relação a forma de fazer política no Brasil?

Quando as decisões não são dialogadas, discutidas, trabalhadas, com os atingidos e com a sociedade brasileira, acabam gerando conflito ou acabam sendo judicializadas, que é o que aconteceu com Belo Monte. Entre as promessas da Constituinte, estava a ideia de uma democracia direta. Isso chegou a ser ensaiado em algumas cidades brasileiras ao longo dos anos 80 e início dos anos 90. Mas, na hora que apareceu muito dinheiro na jogada, proveniente do desenvolvimento econômico, essa pauta foi totalmente abandonada. E os partidos que estavam na oposição naquele momento, como PT e PCdoB, e carregaram essa bandeira, uma vez no poder, abandonaram essa agenda, que também nunca foi a agenda dos partidos de centro e de direita.

Quais consequências isso trouxe?

Claramente se viu o fortalecimento da hegemonia dos interesses corporativos na condução da política urbana no Brasil e isso foi acontecendo progressivamente. Nós derrubamos a ditadura, mas não derrubamos essa coalizão entre governo e empresários. E ela impediu que uma pauta pelo direito à cidade avançasse. Agora é uma oportunidade de fazer avançar essa agenda, porque, pela minha leitura, é isso que o povo que está na rua quer. Quando se fala de mobilidade para todos ou estádio para quem, estamos falando que não queremos que uma cidade seja construída apenas para negócios imobiliários, negócios em geral. Que a cidade é nossa, que coisas não lucrativas têm que acontecer. Então, é sobre a função social da cidade que falamos.

Como as manifestações em relação à organização da Copa dialogam com esses protestos?

Quem discutiu o projeto de Copa no Brasil e como ele seria feito, com quem ia ser feito, o que ia acontecer com os atingidos? É o que as manifestações na rua estão questionando. Como relatora do direito a moradia, recebi muitas denúncias de violações nas remoções na preparação para a Copa e Olimpíadas. Tudo isso tem a ver com um modelo de cidade absolutamente excludente.

Concentração para a passeata Candelária-Prefeitura do Rio de Janeiro, 20 de junho de 2013






















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Parecia uma quermesse. O clima era de expectativa. E quando chegar na prefeitura, faz o quê? Ouvi um cara dizer "deixa os almofadinhas saírem, aí...". Máscaras de Anônimos custavam 10 reais. Muita gente. Classe média em sua maioria. Jovens. Engravatados. Estudantes. Professores. Muita gente. Protestos e presença de homossexuais ou simpatizantes. Ida. Encontro com os bombeiros. O pessoal das vans. O acende e apaga das salas e apartamentos para mostrar adesão. As parcas palavras de ordem. Algum silêncio. O xingamento ao Cabral. Fotos, muitas fotos. Mamãe, saí do Face e tô aqui, ó! Fotógrafos e alguns repórteres também anônimos. Como anônimo era o carro de som que anunciava a presença da cavalaria e do batalhão de choque na Prefeitura. Segue-se assim mesmo. Estação da Cidade Nova: fechada. Gritos à frente. Corre-corre. Por que? Cara de medo nas pessoas. Segue-se assim mesmo. Bombas. Gente voltando. Tem caveirão. A multidão se volta e tenta se manter calma. Não corre. Não corre. Alguns caras e muitas outras pessoas passam em sentido oposto. Eles seguem assim mesmo.

PS - Pena não ter fotos da passeata. Só da concentração. Durante a caminhada, preferi guardar a máquina e curtir até onde desse.

14 de junho de 2013

Rio 7X7


São 7 autores, 7 contos cada, 7 diferentes pontos de vista sobre a cidade do Rio de Janeiro:
Dailza Ribeiro => empresta voz a 7 crianças contemporâneas e suas questões.
Martha Estima => contos de chegadas e partidas no Rio
Edna Bueno => parte dos 7 dias do Gênesis para escrever 7 contos
Armando Moya => 7 momentos de um maldito apaixonado em uma noite na Lapa
Rogério Klein => 7 dias de uma semana de uma família de Copacabana
Claudia Vieira => 7 contos, 7 protagonistas mulheres
Morgana Masetti => contos a partir de notícias de jornal
 
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Edna Bueno nos passou o esquema de que serviu para escrever os seus contos

Seguindo os dias descritos no livro do Gênesis, ela criou suas histórias. Veja abaixo os títulos dos contos correlacionados às passagens bíblicas.
1. As luzes da cidade - Que haja luz! E a luz começou a existir.
2. O céu de cada dia - Que haja no meio da água uma divisão para separá-la em duas partes. E a essa divisão, Deus deu o nome de céu.
3. Caminhos de terra e mar - Que a água que está debaixo do céu se junte num só lugar a fim de que apareça a terra seca. E assim aconteceu.
4. Horizontes - Que haja luzes no céu para separar dia e noite e para marcar os dias, os anos, as estações. E Deus fez duas grandes luzes: a maior para governar o dia e a menor para governar a noite.
5. Águas e asas - Que as águas fiquem cheias de todo tipo de seres vivos e que na terra haja aves que voem no ar! Assim Deus criou os grandes monstros do mar, e todas as espécies de seres vivos que em grande quantidade se movem nas águas, e criou também todas as espécies de aves.
6. Passarela do Samba - Que a terra produza todo tipo de animais: domésticos e selvagens e os que se arrastam pelo chão, cada um de acordo com a sua espécie! E assim aconteceu. Então Deus criou os seres humanos, com poder sobre os peixes, sobre as aves, sobre os animais domésticos e selvagens e sobre os que se arrastam pelo chão. Ele os criou homem e mulher.
7. Manhã de Sábado - No sétimo dia Deus acabou de fazer todas as coisas e descansou de todo o trabalho que havia feito. Então, abençoou o sétimo dia e o separou como um dia sagrado.
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Trecho de Passarela do Samba
Edna Bueno
Brigaram fazia um mês, briga drástica e definitiva. E a diretoria cobrou o compromisso com o desfile: teriam que cumprir, defender a verde e rosa. Lado a lado, um e outro. José Adão nervoso ajeitava a fantasia de nobreza no corpo. Mais de hora na concentração, Eva Maria nada. Mestre-sala e porta-bandeira, bela brincadeira do destino – fosse o derradeiro encontro, nem mais turnê, nem apresentação. E aí? Tudo bem, como vai? Aguentar a soberba dela? Sorrir, como se nada houvesse acontecido? O show tem que continuar, lhe dissera o diretor de harmonia, aliás passando por perto no exato momento. Seguiu-o, sabia que gostava de uma pinga, com ele deu uns goles numa Salinas da mais alta qualidade.
– Já chegou a moça, rapaz? Ela vem, não é besta de não vir.