Cris Muniz
Fomos ao Congresso de Brinquedos de Ontem e Hoje apresentar um relato preliminar do projeto Canteiro de Obras na “Ciranda de ideias”, uma modalidade muito interessante de troca de experiências na forma de conversa entre pares. Ali estavam presentes outras iniciativas de caráter não formal, assim como as brinquedotecas, a maioria de escolas de formação de professores, para refletir os limites e possibilidades de um trabalho com o lúdico na formação docente.
Gostaria de compartilhar aqui algumas questões apresentadas neste evento por Jader Janes, um professor do grupo de pesquisa em Geografia da Infância que penso dialogar com nossas investigações/inquietações. Os estudos desse grupo pensam a criança como um ser geográfico considerando o espaço uma dimensão significativa para sua vida em sociedade e investigam o que definem como territorialidades infantis. Segundo Janes, a investigação da Geografia da Infância busca a forma como a categoria da espacialidade é concebida e como interfere em nossa relação com as crianças e na produção de suas infâncias.
A pesquisa apresentada no Congresso discutiu o conceito de evolução linear da noção de espaço – do mais próximo para o mais distante – presente nos currículos escolares. Esses gradativamente constroem os diferentes níveis ou dimensões do espaço – eu/minha casa, minha sala, escola, bairro, cidade, mundo, problematizando as relações entre o mundo e o que está aqui próximo. Esses questionamentos partiram da pesquisa desenvolvida pelo grupo com crianças migrantes. Nelas, a lógica espacial ensinada nas escolas não apareceu, o que aponta para a possibilidade de pensar outras geografias e outras escalas, e para a ideia de topofilia indicada pelos elos afetivos entre a pessoa e o lugar ou seu ambiente físico.
As crianças migrantes estudadas, mas também outras envolvidas na pesquisa autodenominam-se mudantes – aqueles que mudam constantemente de moradia dentro da própria cidade – e demonstram possuir uma noção de espaço/lugar próximo não como referência espacial, mas afetiva. O lugar mais destacado pelas crianças migrantes/mudantes foi a escola, especialmente os seus lugares de brincar e de comer, como o refeitório, evidenciando-se aí a prática do territoriolugar em uma escala vivencial, e remetendo ainda à ideia de paisagem que, para além das formas, comportam também cheiros, sons, sabores...
Livro lançado por Jader Janer em 2013 pela editora mediação |
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Rememorando passeios:
Topocídio e Autointerdição
Durante seu relato, Jader comentou ainda a ideia de topocídio ao se referir às remoções de populações pobres de seus lugares/moradias (hoje, como ontem, tão presentes em tempos de Copa do Mundo e Olimpíadas!). Essas reflexões me fizeram recordar alguns passeios que fiz com crianças do CIEP de Ipanema logo no início do projeto Ônibus da esperança (Bus der Hoffnung). Creio ser possível pensar em um tipo de topocídio ao inverso pelo qual moradores de determinados lugares não podem se mover ou pior não se permitem nem mesmo sair.
Foi isso que senti, por exemplo, quando propus nosso mais longo passeio à cidade de Petrópolis anunciando, com os termômetros recém-chegados à escola para aulas de geografia, que teríamos que subir a serra com lindas montanhas muito altas e iríamos perceber as mudanças de temperatura e tudo o mais. O que aconteceu? Algumas crianças simplesmente não apareceram no dia do passeio. Soubemos depois, com medo de cair lá de cima das montanhas. Outras passaram mal quando paramos no alto da serra, achavam que não estavam mais respirando. Com esse mesmo grupo, em nosso primeiro passeio ao Jardim Botânico/RJ, fui interpelada pela funcionária do orquidário preocupada se as crianças não iriam destruir as orquídeas, ao que não me contive e respondi que elas já haviam comido as carnívoras antes! Depois disso, no caminho de volta deste mesmo passeio, descemos na orla da Lagoa e fomos a pé até a rua Teixeira de Melo, em Ipanema, que dá acesso ao elevador para o CIEP Ipanema, e aí então foram as crianças que, refratando talvez a experiência vivida, me interpelaram perguntando se poderiam andar ali, se não seriam chamadas de faveladas?! Enfim são muitas as exclamações pela interdição ou autointerdição de acesso aos lugares, pela falta de oportunidade de viver lugares experiências, esses onde podemos nos sentir imersos na cidade, pertencendo a ela como qualquer cidadão.
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