Márcia Fernandes
Nesta quarta postagem da série "A criança e sua participação na cidade" trazemos várias perguntas levantadas pela Dissertação de Mestrado da palestrante Fernanda Muller e pelas colocações da coordenadora de comunicação da UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), Imaculada Prieto. Trata-se de uma reflexão sobre as políticas públicas e as ações sociais voltadas para as crianças. Elas as atendem de fato? Até que ponto são bem-sucedidas? Enfim, em que medida a infância pertence à criança? As concepções da criança sobre a cidade podem gerar novas concepções sobre a infância? Que contribuições podem ser feitas pelos estudos das crianças? Que medidas possibilitam e limitam a participação da criança na cidade?
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Em sua pesquisa Infância e Cidade: a criança em foco, Fernanda Muller diz: "a infância moderna constrói a criança fora da sociedade, silencia suas
vozes e nega a sua autonomia. Será que a modernidade rotula uma infância moldada e propositalmente pensada e desejada pelos adultos e não pelas crianças? Silencia suas vozes?" E se nos permitimos olhar pelos olhos da criança, fazendo este exercício que a autora chama de exercício de percepção e escuta infantil, conseguiremos pensar como a criança? Para a autora, a chave está em poder enxergar a criança como um agente social.
Com um grupo de crianças em Porto Alegre, ela observa como acontecem as entradas
e as permanências no campo da diversidade. Para isso, ela lança mão de uma metodologia que leva em consideração a amplidão do conceito de
cidade pois esse é um
conceito abstrato, diferente no pensamento de cada um, já que relacionado às experiências de cada pessoa.
A palestrante falou sobre a metodologia usada na pesquisa
–
o recurso da fotografia
– , junto a três grupos de diferentes bairros de variadas classes sociais. Após uma incursão fotográfica, promoveu-se uma conversa com as crianças que relataram o que acharam mais e menos interessante nesse passeio fotográfico.
Dar a criança esse tipo de autonomia é trazer à luz o seu conceito de espaço, de tempo e de mundo, diferentes do adulto e divergentes, muitas vezes, do conceitos aprendidos na escola e da família. Essa autonomia conceitual (Marchi, 2007) dá visibilidade às interações infantis, tal como mostradas no documentário premiado pelo Oscar Nascidos em Bordéis que retrata a vida de crianças no bairro da Luz vermelha em Calcutá e filmado a partir de incursões fotográficas feitas pelas crianças em que elas registravam as suas impressões sobre as ruas do bairro. A fotografia, dessa maneira, torna-se uma ferramenta de expressão e de voz dessas crianças para o mundo.
Fernanda Muller propõe, na conclusão de seu trabalho, que – para se chegar às crianças – é importante que essas sejam incluídas nas
discussões sobre a cidade que habitam, isto é, que ouçamos a voz das crianças. É que proponhamos um novo modelo de
cidade a partir do seu ponto de vista. Enfim, saber quais seriam os modelos de cidade
propostos pelas crianças.
A autora salienta que é preciso que se promovam novas ideias
sobre quem tem o direito de usar os novos espaços urbanos, obedecendo aos princípios tanto de agência quanto de estrutura. Desse modo, ela traz a novidade da cidade como
laboratório público e as crianças como membros das discussões políticas.
Nascidos em Bordéis (86', 2004). Born Into Brothels: Calcutta's Red Light Kids. Dir: Ross Kauffman e Zana Briski. Premiado nos mais importantes festivais internacionais, incluindo Sundance e a International Documentary Association, essa co-produção EUA/India é assinada por dois cineastas que narram sua experiência em Calcutá, quando conheceram de perto a vida dos filhos de prostitutas que trabalham na área dos bordéis da cidade.
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A coordenadora de comunicação da Unicef no Rio de Janeiro, Imaculada Prieto, trouxe para o debate o tema O direito ao direito, em relação a Comunicação, Infância e Cidade, isto é, como aconteceram os diferentes momentos e aspectos na trajetória da reformulação do direito infantil, considerando que esse se dá principalmente através da
expressão, participação e divulgação, independente dos meios e das fronteiras.
Ao destacar a importância da participação, Imaculada Prieto demonstra sua sintonia com o Estatuto da Criança e Adolescente como uma expressão do direito ao direito através de
iniciativas que passam a ser construídas em torno da criança. Várias crianças, de várias cidades e culturas passam então a fazer
parte da cena: a indígena, a quilombola, a especial etc.
Pensando neste direito universal, que deve valorizar a integração social, levando a criança a
participar e a exercer sua cidadania, se consegue atingir outros objetivos, ou seja, a ter direito a outros direitos. Participar, sugerir, criar propostas em sua cidade
é um exercício de valorização estratégico que visa superar as desigualdades
sociais.
Um município, portanto, precisa abrigar uma
cidade infância e não uma cidade de infância moderna. Somente
através da cultura da participação infantil em seus próprios espaços se
conseguirá redimensionar esses mesmos espaços de pertencimento social da
criança. Para tanto, é preciso que se
permita a participação infantil no diagnóstico de soluções para mudanças nas políticas públicas em sua
cidade.
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