Mônica Vallim é graduanda de Pedagogia no ISERJ e integrante do grupo Aprender nas
ruas.
Para o grupo Aprender nas ruas, ter o documentário Agora você é índio selecionado para o Festival Globale 2013 foi gratificante. Como
a exibição seria em Belford Roxo, ir de trem foi a minha primeira opção de
viagem. Uma possibilidade bem agradável, se os trens funcionassem decentemente
aos finais de semana. Mas não. Só há horários regulares das linhas nesse ramal
durante a semana, para o povo trabalhar.
No domingo, dia que poderia ser utilizado para o lazer e as atividades
culturais por várias famílias que lá residem, esse tipo de transporte de massa
só funciona até 14h. Esse é o nosso Rio de Janeiro às vésperas da Copa de 2014,
segregando cada um no seu quadrado.
Restou-me
então ir de ônibus. Peguei o 766 para Madureira e de lá peguei o 800 que literalmente
dá a volta ao mundo e vai pela via Dutra. Somando ida e volta, fiquei umas
quatro horas e pouco dentro de ônibus. Se eu pegasse um interestadual na
Rodoviária Novo Rio, em cinco horas estaria no Terminal Tietê em São Paulo. É
muito tempo dentro de um ônibus para sequer sair do estado do Rio de Janeiro! E
quem mora por lá vivencia esse colapso de transporte urbano diariamente.
A
rua Aguapeí, onde se situa o Centro Cultural Donana, não consta na busca do
Google Maps (será que é por ter um nome indígena?). O curioso é que outras
ruelas constam. Vai entender o porquê... Logo a rua de um Centro Cultural não
está lá... Mas as referências que o pessoal do Donana colocou junto à
divulgação do evento no Facebook
foram suficientes para que eu chegasse lá sem grandes dificuldades. Mesmo
assim, logo que saltei do ônibus e saí da rua principal, confirmei as
indicações na primeira birosca aberta que encontrei . Estava tudo certo. Fui
com a minha filha, Fernanda Vallim, professora na Escola Municipal Rudá Iguatemi Vila Nova em Nova Aurora, um
bairro vizinho mais pobre, também de Piam em Belford Roxo.
A
simplicidade do Donana nos chamou atenção. Uma casa térrea ainda em obras num terreno de esquina e com o muro grafitado. Como não vi movimentação onde
pensei que fosse a entrada principal, contornei a esquina e me deparei com uma
entrada de garagem semiaberta. Vi algumas poucas pessoas, bati palmas e fui
convidada a entrar. Fui recebida por Aline Germano, do Festival Globale Rio, e Érika Nascimento, coordenadora do Cineclube,
que me apresentaram às demais pessoas que já estavam por ali.
Enquanto
não começava a sessão do Cineclube, fiquei sabendo um pouco da história e das
atividades que acontecem naquele espaço cultural que inicialmente era apenas o
quintal generoso da casa de Dona Ana, mãe de Dida Nascimento, presidente do
Donana. Nesse espaço, antes da criação do Centro Cultural, também funcionou uma
escola de alfabetização de adultos fundada pelas irmãs Severina e Iraci.
Todas
as atividades são gratuitas. Há rodas de leituras para os miúdos, e oficinas de
artes variadas como desenho, teatro e capoeira. As sessões do Cineclube têm o
carinho especial dos anfitriões, com direito à pipoca, um bolo caseiro daqueles
que nos lembram dos mimos doces de nossas avós e algum suco, chá gelado ou
refrigerante.
A
sessão começou um pouco depois das 18h, pois alguns convidados se atrasaram e o
público também veio chegando pingadinho. A sala de exibição deve ter
aproximadamente uns 50m2. Tem uma tela grande, projetor, caixas de
som, umas 40 cadeiras tipo escolar, algumas mesas laterais, dois grandes
ventiladores e negras cortinas de TNT.
O
pequeno público presente, talvez umas 20 pessoas, era em sua maioria adulto,
mas havia uns poucos jovens e até crianças.
A crítica que faço ao nosso documentário se estende aos demais: a má qualidade do áudio, que nos impõe a colocação de legendas, é um complicador para o público com dificuldades para a leitura rápida. Mas o debate compensou essa falha, pois esclareceu detalhes omissos ou equivocados e encorajou a participação do público.
A crítica que faço ao nosso documentário se estende aos demais: a má qualidade do áudio, que nos impõe a colocação de legendas, é um complicador para o público com dificuldades para a leitura rápida. Mas o debate compensou essa falha, pois esclareceu detalhes omissos ou equivocados e encorajou a participação do público.
Esse
bate-papo que aconteceu após a sessão acabou tendo um contorno político, de
conscientização sobre as questões denunciadas nos documentários e nos problemas
cotidianos do próprio bairro com o saneamento, os transportes, o meio ambiente
e o direito à cultura.
Yoshiharu
Saito, um dos debatedores e defensor do meio ambiente, ao cumprimentar Dida
pelo cargo de subsecretário de cultura de Belford Roxo, lembrou da necessidade
de ocupação de cargos políticos por moradores do local para minimizar esses
problemas.
Iniciativas
assim precisam de mais apoio e divulgação para que se multipliquem. São trocas
muito ricas e necessárias em nossas pobres periferias, só lembradas em anos
eleitorais ou quando acontece alguma tragédia dantesca. Na cidade de Belford
Roxo residem em média 500 mil habitantes. Muitos jovens e crianças têm como
único lazer a rua ou a TV. Até 2010 não existia sequer uma sala de cinema
popular que os contemplasse e fizesse por eles a diferença que o Donana é capaz
de promover, envolvendo-os com arte, cultura e consciência política.
***
O Centro Cultural Donana
surgiu em
meados da década de 80, como um espaço voltado para as artes e alfabetização de
crianças, jovens e adultos, além de diferentes atividades como exposições e
festas com os músicos da Baixada Fluminense. Este cenário – uma casa sem muros
e repleta de manifestações culturais e artísticas, localizada no bairro Piam – proporcionou
o fomento a uma geração musical que deu origem a bandas como KMD5, Negril e
Cidade Negra. A partir disso, Belford Roxo ganhou visibilidade, deixando para
trás o título de ‘cidade mais violenta do mundo’, segundo dados da época,
fornecidos pela ONU.
Para visitar o site do Donana, clique aqui
***
Ficha técnica do documentário Agora você é índio (20’, 2012),
uma produção FAPERJ / ISERJ / FAETEC
uma produção FAPERJ / ISERJ / FAETEC
Sinopse
Entre o índio imaginário, o invisível e o
histórico, o curta procura entender o índio real no contexto urbano: na feira
de artesanato, na escola e no prédio do antigo Museu do Índio, sede da Aldeia
Maracanã. Através de imagens, sonhos e entrevistas, identidades se misturam e
se redescobrem pelo olhar do outro.
Linhas de discussão
O preconceito contra indígenas no Brasil é
gritante e o desconhecimento acerca da sua existência nas cidades é ainda
maior. O filme dá visibilidade a essas questões e se reporta aos estereótipos
na escola e a necessidade de identificar no indígena um cidadão e um
trabalhador que questionam a ordem social excludente.
Palavras-chave: Índios em contexto urbano, Segregação cultural, Educação, Aldeia Maracanã
Palavras-chave: Índios em contexto urbano, Segregação cultural, Educação, Aldeia Maracanã
Equipe
Direção: Bia Albernaz / Assessoria e edição:
Jorge Efi / Atores: Dauá Puri e Ricardo Araújo Oliveira / Roteiro: Antonio
Pinheiro, Bia Albernaz, Carmel Farias, Carol Granato, Cida Donato, Cris Muniz, Dilson
Miklos, Elen Cabral, Fátima França, Patrícia Nascimento, Malu Pinto, Marcia
Fernandes, Márcio Salles, Mônica Vallim / Câmera: Antonio Pinheiro, Gilson
Bueno e Walter Cecchetto Filho / Música: Marcelo Lion / Produção: Grupo Aprender nas ruas, Instituto
Superior de Educação do Rio de Janeiro e Fundação de Apoio à Pesquisa do Rio de
Janeiro.
Para ver o filme, clique aqui
Muito bom Mônica, adorei o texto e fico imaginando que riqueza foi o momento do debate e das discussões. O mais legal é isso, o filme provocar outras visões e outras questões. Parabéns amiga!
ResponderExcluirObrigada, Marcia Fernandes!
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