Márcia Fernandes
Nesta terceira postagem da série de postagens que resumem um dia no seminário "A criança e sua participação na cidade" promovido pelo CECIP, trazemos a perspectiva da criança sobre a cidade e a favela. Consultá-las foi um grande avanço, pois as contribuições que surgiram após essa escuta trouxeram novas soluções para se pensar o futuro da cidade
–
uma cidade construída para as crianças e pelas crianças.
Essa participação da
criança nas mudanças da sua cidade também é um conceito de aprendizagem, tanto
para a criança quanto para o adulto, que participa dessa mediação social e precisa estar imbuído deste conceito do aprender.
Construir práticas para a
promoção da criança como cidadã é criar caminhos para que essa cidadania nasça
ainda no seio da família. Na verdade, trata-se de uma construção de
educação identitária, pois busca o reconhecimento do pequeno cidadão como sujeito de direitos.
Mas como a criança pode participar dessa construção sem que seja manipulada e sem que seus mediadores decidam o que ela quer? Mais do que isso, sem que se limite ao que se espera dela? Através da escuta de suas ideias. Esse processo, portanto, não corresponde apenas a um modelo de participação, mas sim a um exercício de ouvir a criança. O melhor modelo de participação reside na tentativa de organização da própria criança
com os seus pares, junto a uma participação direta nas ações implantadas
em sua comunidade, seu bairro, sua cidade.
Mas como a criança pode participar dessa construção sem que seja manipulada e sem que seus mediadores decidam o que ela quer? Mais do que isso, sem que se limite ao que se espera dela?
Durante as discussões em torno de metodologias, no Seminário, algumas teses foram apresentadas. Uma delas resumiu a pesquisa de doutorado de Beatriz Corsino Pérez, na UFRJ: Noção
de Cidade, resultados da pesquisa realizada
em comunidades, a dicotomia: asfalto e favela e o Projeto Criança Pequena em
Foco.
Sobre a noção de cidade, a
autora traz a reflexão de que a criança já nasce numa cidade planejada, ou
seja, num espaço construído, onde tanto a criança quanto
o adulto têm de se adaptar. Essa cidade idealizada é transformada e modelada sem a participação ou opinião de seus moradores e principalmente das crianças. A pesquisa de Beatriz Corsino, realizada nas comunidades
Chapéu Mangueira, Santa Marta e Babilônia, na zona sul do Rio de Janeiro, ouviu os relatos das crianças sobre o que elas gostariam que fosse modificado
em sua comunidade e o que elas gostariam que fosse conservado. Este momento foi também a
oportunidade de conhecer um pouco mais a criança que vive nestes espaços e como elas veem a
relação entre asfalto e favela.
***
O conceito de infância
ainda está focado na ideia de criança concebida no século XVIII, no qual se insere a noção de pensamento como um campo universal idealizado em moldes europeus, sem incluir a concepção de evolução, nem situar quem é a criança sobre a qual se fala e
qual a sua realidade.
A infância moderna ainda é
vista pelo Estado dentro dos modelos europeus sem as referências específicas, como por exemplo as da
cidade do Rio de Janeiro. E o que é mais importante: em relação a este modelo de infância, a
criança da comunidade corresponde a uma má infância.
É urgente, portanto, entender quem é essa criança, assim como compreender que essa infância passou pela modernidade
acompanhada de todos os desafios e circunstâncias em seu entorno, enfim que ela existe sim, mas em relação a um conceito
diferente do que comumente se propõe. Além disso, é preciso reconhecer que não há nenhum modelo de participação
previsto para a criança dentro da cidade.
***
Logo, a ideia de ação que se
propõe é que se faça surgir um amor pela cidade dentro de uma perspectiva voltada para uma infância contemporânea. Tal ação foi pensada no Projeto Criança Pequena em Foco, desenvolvido nas comunidades dos morros de Santa
Marta e Babilônia cujo objetivo foi promover espaços de trocas
entre a criança e o poder público. Neste projeto, algumas perguntas foram
pensadas para estabelecer estratégias relacionadas ao foco proposto. Algumas delas são: Qual a relação das crianças
com o lugar que vivem? Como é a cidade na perspectiva dessas crianças? A comunicação inicial com
as crianças foi difícil, por isso foi criado um
passeio fotográfico e se chegou a algumas respostas.
A
relação da criança com o lugar que vivem é mediado pela visão das crianças de ambas as
comunidades de que este é o lugar da família. Pelas fotografias, respostas foram sendo
construídas. Através dos lugares
escolhidos foi possível entender a noção de espaço de família e ao mesmo tempo
de espaço construído.
Na Babilônia, as crianças caracterizaram a sua comunidade como
sendo um lugar para brincar. O espaço ali é muito arborizado e o fator “natureza” é importante para o dia a dia das
crianças, cujas brincadeiras incluem constantes subidas em árvores. Chega-se assim a um tipo de
experiência distinta de outros espaços considerados de boas infâncias segundo o olhar do
poder público.
Contudo, as crianças do morro da Babilônia reclamaram das moradias
sem estruturas e
relataram a perda do Campinho, que era um espaço de apropriação
de brincadeiras como jogar bola e bolinha
de gude, modificado pela Prefeitura sem a consulta dos moradores e
principalmente das crianças que mais utilizavam o espaço. O espaço foi aterrado
e se tornou uma área acimentada!
A relação com a cidade, ou
seja, a perspectiva de cidade é
relatada pelas crianças como a do encontro entre a favela e o
calçadão (de Copacabana). Este momento é retratado
como uma experiência estritamente urbana, de encontro com estranhos que não fazem parte do cotidiano e das vivências dessas crianças segundo elas mesmas.
Na comunidade do morro Santa Marta, sobre a relação das crianças com o lugar em que vivem, muito foi falado sobre o bondinho ou teleférico, como sendo quente e apertado, e sobre a pracinha da comunidade que possui muitos brinquedos quebrados.
Na comunidade do morro Santa Marta, sobre a relação das crianças com o lugar em que vivem, muito foi falado sobre o bondinho ou teleférico, como sendo quente e apertado, e sobre a pracinha da comunidade que possui muitos brinquedos quebrados.
Para as crianças do Santa Marta, o conceito
de cidade está relacionado ao momento de
diversão, a ir para o calçadão, poder
ir ao shopping e visualizar os prédios, em relação aos quais nutrem um imenso desejo de morarem algum dia.
Dentre as considerações
finais das pesquisas, a autora destaca a falta de interesse em
ouvir e dar espaço à participação das
crianças nas mudanças feitas em suas comunidades, o que reflete
diretamente em suas vidas e principalmente em sua infância.
Então, vamos ouvir as crianças! Até a próxima postagem.
***
Escute a menina Severn Suzuki na Conferência da ONU por ocasião da ECO-92
Nenhum comentário:
Postar um comentário