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23 de novembro de 2013

A participação da criança na cidade 3 - A favela e a cidade na perspectiva infantil

Márcia Fernandes

                 Nesta terceira postagem da série de postagens que resumem um dia no seminário  "A criança e sua participação na cidade" promovido pelo CECIP, trazemos a perspectiva da criança sobre a cidade e a favela. Consultá-las  foi um grande avanço, pois as contribuições que surgiram após essa escuta trouxeram novas soluções  para se pensar o futuro da  cidade   uma cidade construída para as crianças e pelas crianças.
                  Essa participação da criança nas mudanças da sua cidade também é um conceito de aprendizagem, tanto para a criança quanto para o adulto, que participa dessa mediação social e precisa estar imbuído deste conceito do aprender.
                        Construir práticas para a promoção da criança como cidadã é criar caminhos para que essa cidadania nasça ainda no seio da família. Na verdade, trata-se de  uma construção de educação identitária, pois busca o reconhecimento do pequeno cidadão como sujeito de direitos.
                        Mas como a criança pode participar dessa construção sem que seja manipulada e sem que seus mediadores decidam o que ela quer?  Mais do que isso, sem que se limite ao que se espera dela? Através da escuta de suas ideias.  Esse processo, portanto, não corresponde apenas a um modelo de participação, mas sim a um exercício de ouvir a criança. O melhor modelo de participação reside na tentativa de organização da própria criança com os seus pares, junto a  uma participação direta nas ações implantadas em sua comunidade, seu bairro, sua cidade.
                     Durante as discussões em torno de metodologias, no Seminário, algumas teses foram apresentadas. Uma delas resumiu a pesquisa de doutorado de Beatriz Corsino Pérez, na UFRJ: Noção de Cidade, resultados da  pesquisa realizada em comunidades, a dicotomia: asfalto e favela e o Projeto Criança Pequena em Foco.
                     Sobre a noção de cidade, a autora traz a reflexão de que a criança já nasce numa cidade planejada, ou seja, num espaço construído, onde tanto a criança  quanto  o adulto têm de se adaptar. Essa cidade idealizada  é transformada e modelada sem a   participação ou opinião de seus moradores e principalmente das crianças. A pesquisa de Beatriz Corsino, realizada nas comunidades  Chapéu Mangueira, Santa Marta e Babilônia, na zona sul do Rio de Janeiro, ouviu os relatos das crianças sobre o que elas gostariam que fosse modificado em sua comunidade e o que elas gostariam que fosse conservado. Este momento foi também a oportunidade de conhecer um pouco mais a criança que vive nestes espaços e como elas veem a relação entre asfalto e favela.
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                   O conceito de infância ainda está focado na ideia de criança concebida no século XVIII, no qual se insere a noção de pensamento como um campo universal idealizado em moldes europeus, sem incluir a concepção de evolução, nem situar quem é a criança sobre a qual se fala e qual a sua realidade.
             A infância moderna ainda é vista pelo Estado dentro dos modelos europeus sem as referências específicas, como por exemplo as da cidade do Rio de Janeiro. E o que é mais importante: em relação a este modelo de infância, a criança da comunidade corresponde a uma má infância.
               É urgente, portanto, entender quem é essa criança, assim como compreender que essa infância passou pela modernidade acompanhada de todos os desafios e circunstâncias em seu entorno, enfim que ela existe sim, mas em relação a um conceito diferente do que comumente se propõe. Além disso, é preciso reconhecer que não há nenhum modelo de participação previsto para a criança dentro da cidade.
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                   Logo, a ideia de ação que se propõe é que se faça surgir um amor pela cidade dentro de uma perspectiva voltada para uma infância contemporânea. Tal ação foi pensada no Projeto Criança Pequena em Foco, desenvolvido nas comunidades dos morros de Santa Marta e Babilônia   cujo objetivo foi promover espaços de trocas entre a criança e o poder público. Neste projeto, algumas perguntas foram pensadas para estabelecer estratégias relacionadas ao foco proposto. Algumas delas são: Qual a relação das crianças com o lugar que vivem? Como é a cidade na perspectiva  dessas crianças? A comunicação inicial com as crianças foi difícil, por isso foi criado um passeio fotográfico e se chegou a algumas respostas.
                 A relação da criança com o lugar que vivem é mediado pela visão das crianças de ambas as comunidades de que este é o lugar da famíliaPelas  fotografias, respostas foram sendo construídas. Através dos lugares escolhidos foi possível entender a noção de espaço de família e ao mesmo tempo de espaço construído.
             Na Babilônia, as crianças caracterizaram a sua comunidade como sendo um lugar para brincar. O espaço ali é muito arborizado e o fator “natureza” é importante para o dia a dia das crianças, cujas brincadeiras incluem constantes subidas em árvores. Chega-se assim a um tipo de experiência distinta de outros espaços considerados de  boas infâncias segundo o olhar do poder público.
             Contudo, as crianças do morro da Babilônia reclamaram das moradias  sem estruturas e relataram a perda do  Campinho, que era um espaço de apropriação de brincadeiras como jogar bola e bolinha de gude, modificado pela Prefeitura sem a consulta dos moradores e principalmente das crianças que mais utilizavam o espaço. O espaço foi aterrado e se tornou uma área acimentada!
              A relação com a cidade, ou seja, a perspectiva de cidade é relatada pelas crianças como a do encontro entre a favela e o calçadão (de Copacabana). Este momento é retratado como uma experiência estritamente urbana, de encontro com estranhos que não fazem parte do cotidiano e das vivências dessas crianças segundo elas mesmas.
             Na comunidade do morro Santa Marta, sobre a relação das crianças com o lugar em que vivem, muito foi falado sobre o bondinho ou teleférico, como sendo quente e apertado, e sobre a pracinha da comunidade que possui muitos brinquedos quebrados.
            Para as crianças do Santa Marta, o   conceito  de cidade  está relacionado ao momento de diversão, a ir para o calçadão, poder ir ao shopping e visualizar os prédiosem relação aos quais nutrem um imenso desejo de morarem algum dia.
          Dentre as considerações finais das  pesquisas, a autora destaca a falta de interesse  em ouvir e dar espaço à participação das crianças nas mudanças feitas em suas comunidades, o que reflete diretamente em suas vidas e principalmente em sua infância.

Então, vamos ouvir as crianças! Até a próxima postagem.
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