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6 de janeiro de 2014

A participação da criança na cidade 5 - Ouvindo as crianças

                                                                                                                                         Márcia Fernandes
                 Na quinta postagem da série " A criança e sua participação na cidade", trazemos o conceito de cidade amigável,  ou seja, como a cidade pode se tornar parceira da criança, ouvi-la e sobretudo colocar  em prática as contextualizações de sua fala através de mudanças e alterações positivas em seu bairro, sua rua, sua cidade.
           Vários projetos foram apresentados no seminário, projetos que saíram do papel e foram colocados em prática em várias cidades com a participação efetiva das crianças junto ao poder público, sob a tutela de ongs e instituições interessadas em transformar a escuta em ações no espaço integrado de convivência intergeracional.
              Se a cidade foi planejada e pensada por adultos então como as crianças se adaptam a esses espaços, como podem modificá-lo, torná-lo mais lúdico, e se apropriar de praças, jardins, campinhos e terrenos baldios?
              O primeiro projeto - Pensando e planejando a cidade - aconteceu numa escola municipal em São Paulo. As crianças foram ouvidas sobre a rua da escola e, após a coleta de dados e informações, os participantes chegaram à conclusão que a rua era muito triste e escura. A primeira ação foi pintar as calçadas, colorir os muros e  plantar árvores. A rua ficou mais alegre e convidativa e também fez mais sucesso na escola.
          Um desdobramento desse mesmo projeto foi uma conversa com as crianças da escola sobre o espaço de brincar. O que se notou e ficou registrado é que os brinquedos já não eram tão interessantes, não proporcionavam novas emoções, tal como disseram as crianças. Junto com um arquiteto, as crianças projetaram então novos brinquedos que, através de uma iniciativa privada, foram montados nos espaços existentes. Note-se que as ideias foram pensadas pelas crianças e só então adaptadas às possibilidade de criação, montagem e funcionalidade pelo arquiteto. O grande sucesso fez com que o projeto se estendesse a outras escolas do bairro.  
             Outro projeto desenvolvido em duas comunidades  do Rio de Janeiro, Santa Marta e Chapéu Mangueira foi a montagem de um mapa afetivo a partir da indicação, pelas crianças, dos lugares significativos para elas dentro da comunidade, espaços onde moram, circulam,  estudam, brincam e também aqueles onde não podem ou não costumam ir.
           A metologia desse projeto consiste em trazer para as crianças um mapa ampliado da comunidade onde são feitas  anotações e marcações dos pontos da comunidade pelas crianças.  Elas escrevem em cartões os nomes dos lugares (campinhos, buraco, pedra do urubu, escolinha) e acrescentam no mapa, podendo-se complementar com histórias e  vivências a respeito desses locais por qualquer um do grupo. Aos poucos o mapa passa a ganhar uma feição mais afetiva e os lugares passam a ter enredos, positivos ou negativos. Dessa forma, o contexto históricos dos lugares  da comunidade passam a ser conhecidos. A proposta é trazer a informação dos diferentes usos que as crianças fazem desses lugares e os seus desejos de mudanças.
              Mas nem sempre os projetos pensados alcançam os voos esperados. Na Vila Autódromo, Rio de Janeiro, os moradores sofrem  uma constante ameaça de remoção por parte da exploração imobiliária e dos grandes eventos esportivos que a cidade sediará nos próximos anos. Lá  foi montado um Plano Popular da Vila Autódromo (para acessá-lo, clique aqui). Esse plano de desenvolvimento urbano, econômico, social e cultural foi pensado junto com a  comunidade, arquitetos e engenheiros e apresentado à Prefeitura a fim de se criar uma estratégia que possibilite a manutenção da comunidade no local em que vive há mais de vinte anos. Alguns moradores possuem inclusive concessão de direito real de uso, o que cria o impasse junto ao poder público mas infelizmente o projeto não foi aceito pela prefeitura do Rio de Janeiro e os moradores seguem na luta.
         Ainda relacionado ao Plano Popular da Vila Autódromo, houve uma bela  iniciativa do  Laboratório de Cartografia junto às crianças da comunidade: a montagem do mapa afetivo (para acessá-lo, clique aqui).
               Pela leitura do mapa, percebe-se o quanto as possíveis intervenções, remoções, despejos, entre outros acontecimentos  a serem realizados nos  espaços  de morar das pessoas, sejam eles na favela, numa vila ou num lugarejo acarretam mudanças socio-econômicas, culturais e mais ainda psicológicas nos moradores que ali residem. Suas vidas foram construídas a partir dos laços afetivos estabelecidos numa determinada esquina, num campo, numa sombra de árvore, num bar ou perto de um muro. E os novos caminhos tomados pela opção de tornar o Rio de Janeiro numa cidade-evento  engole essas histórias e rouba memórias, destruindo paisagens psicossociais (cf. Suely Rolnick, Cartografia, 1989).
              As mudanças na cidade causam impactos em todos: idosos, jovens e principalmente nas crianças, que constroem as suas histórias a partir das memórias comunitárias. Assim, o aterramento de suas raízes e de suas referências culturais e sociais trazem impactos muitas vezes nunca superados, por se tratarem de interrupções da  construção de suas próprias memórias e das suas histórias significativas. Ouvir as crianças, conhecer suas sugestões e ideias é um grande passo para que o conceito de cidadania comece a ser exercido. Daí a relevância de se pensar numa cidade mais amigável,  que  reconheça a criança como sujeito de direitos. 
              Termino a postagem falando de um documento recentemente criado pela Rede Nacional da Primeira Infância. O Plano Nacional pela Primeira Infância (para acessá-lo, clique aqui), que assegura direitos até os seis anos, tem como um dos seus principais objetivos a criação de metas e ações para que a criança cresça como um  pequeno cidadão, além de garantir  seus direitos nos próximos doze anos.  O Plano destaca a 27ª Sessão Especial da Assembléia das Nacões Unidas (clique aqui para saber mais), ocorrida em maio de 2002 que discutiu Um Mundo Melhor Para as Crianças e apontou dez importantes compromissos e princípios básicos  para os governantes do mundo a fim de assegurarem uma melhor infância. Desses, sublinho aqui o de número nove: Ouvir as crianças e assegurar sua participação.
Que as cidades possam acolher e ouvir mais as crianças!

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