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10 de dezembro de 2012

Vou sair para ver o Sol

Mônica S. Vallim
Amo praia deserta, mesmo num camping. É sensação de liberdade plena e natureza. Uma experiência mágica que muita gente jamais se permite, e ainda assim, prefere falar mal! Atualmente sou uma ratazana de Internet que convive com a insônia há mais de uma década, "vou mentir e dizer que eu não sou feliz", e afirmar que ficar numa pousada cinco estrelas é uma experiência muito desagradável por conta dos hóspedes pedantes. Afinal o inferno são os outros.
Talvez você esteja se perguntando: Mas o Rio de Janeiro não tem lindas praias com campings? Tem sim. Trindade, e Conceição do Jacarei por exemplo são aldeias de pescadores do nosso litoral sul que ainda pretendo conhecer. A verdade mesmo é que estou com saudades de viajar a lugares remotos e selvagens. Quero me aventurar e curtir o verão de outras praias. Quem sabe um dia voltar à Praia de Castelhanos, que reencontrei graças a lembrança das histórias que meu pai fez questão de registrar na minha memória como a praia dos piratas castelhanos e seus "contrabandos de escravos", "os antepassados da sua mãe" que ele fazia questão de mencionar para irritá-la, e ao GOOGLE que me ajudou a resgatar esse local me fornecendo algumas imagens do que eu ainda recordava desse paraíso perdido. Pois meus pais morreram na década de 80, e tudo do que me lembro é que sempre saíamos de madrugada ainda sonolentos, e que levava muitas horas para chegarmos lá. A metade da viagem íamos dormindo na traseira de uma Variant que se transformava numa cama de casal para as três crianças. Estrada asfaltada, fila para a travessia de balsa, mais estrada asfaltada e depois que cruzávamos uma porteira de madeira ficávamos eufóricos. Pois, era a partir dali é que começava a verdadeira aventura.
Um longo e lento percurso por uma trilha na floresta, um tremendo atoleiro que hoje em dia só jipeiro consegue transpor. Mas naquela época meu pai se aventurava seguro e feliz guiando a Variant, cantarolando suas modinhas infames enquanto a minha mãe, coitada, rezava baixinho meio apavorada toda vez que o carro derrapava na lama. Afinal a única coisa que ela pilotava era o fogão.
Quem sabe um dia revivo um pouco das peripécias de infância? Naquele época, eu sempre planejava secretamente nadar até a pequena ilha que ficava em frente à praia para encontrar algum tesouro, mas nunca fui porque tinha medo de me arriscar, e acabava passando mais tempo cienciando o local, temendo as cobras, aranhas e formigas, ou simplesmente decidia ficar descendo o tobogã da cachoeira com meus irmãos menores, em vez de convencer meu pai a nadar comigo, e atingir meus reais objetivos. Quem sabe ele topasse o desafio?
Meu louco líder aventureiro, o meu herói, nadava bem e conhecia os segredos das marés. Ensinou-nos desde pequenos a respeitar as praias e a não confiar em bóias nos moldes práticos da pedagogia Pinochet da época. A aula externa dele era a seguinte: nos colocava dentro de uma bóia e nos conduzia ao mar aberto para sentirmos a correnteza nos puxar para o fundo. A mensagem era clara e convincente: BÓIAS NÃO SÃO CONFIÁVEIS, ELAS SÓ PARECEM SEGURAS. É POR ISSO QUE MUITAS PESSOAS SE AFOGAM, E ALGUMAS MORREM, PRINCIPALMENTE AS CRIANÇAS, POIS NÃO SABEM NADAR E CONFIAM NESSES MALDITOS BRINQUEDOS. - dizia-nos aos berros enquanto nos conduzia em segurança de volta à areia onde a nossa mãe sempre nos esperava muito aflita (ela nunca aprendeu a nadar).


Esse era o jeito dele nos ensinar e mostrar os limites necessários à sobrevivência frente à natureza, pois aprendeu a nadar de maneira autodidata, consequentemente, passou muitos sufocos quando foi jovem e, apesar de ser professor de matemática, nunca deve ter lido nada de Piaget. Depois nos colocou em aulas de natação num clube e tornou-se um torcedor fanático durante nossas competições. Mas, mesmo depois de ter aprendido a nadar bem, e ter ganhado algumas medalhas, o meu medo nunca me deixou tentar aquela travessia.
Às vezes tenho saudades dos meus pais. Mas, é só às vezes mesmo. Sou órfã há quase 2/3 de minha vida, já me acostumei com as perdas há muito tempo, tudo que doeu também já sarou. Depois que inventaram livros de auto-ajuda, colchão inflável, saco de dormir, repelente e GPS, superei meus traumas juvenis do duro e frio colchonete de acampamento, dos terríveis borrachudos, e de tudo o mais que me incomodou até um pouco antes da maternidade. Atualmente me permito ir aonde quiser sem medo, até porque meus parceiros e eu avaliamos em conjunto os prós, os contras, a previsão do tempo, e os demais detalhes de nossas pretensas aventuras, sem jamais esquecermos de levar filtro solar, garrafas de água, barrinhas de cereais e chocolate extra na bagagem.
É como aquele texto que vale a pena ser relido no silêncio das auroras dessa vida para complementar a nossa formação, e agora ficou mais fácil encontrá-lo, compartilhá-lo simplesmente porque inventaram a Internet, e os hiperlinks que nos ajudam a compreender um pouco o que é semiótica, intertextualidade. Assim vamos tecendo nosso conhecimento de mundo, de cidade educativa possível apenas aos que se predispõem a essa patuscada. E como adoro uma trilha sonora, fica a dica dessa música do Detonautas.

2 comentários:

  1. Incrível! Excelente texto, Monica. Parabéns! Ass Carine

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  2. Obrigada Carine! Mas o texto é pura saudade de aventura!
    bjs

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