Elizete Vasconcellos de Oliveira Silva
Ao contrário do que pensam, a Tijuca sempre esteve adiante de seu tempo, basta lembrar da bossa nova e da jovem guarda. Aqueles jovens eram inovadores e queriam conquistar a cidade.
Mas a Tijuca de ontem ainda existe com casas alinhadas em vilas aconchegantes e floridas. A Tijuca que me remete ao passado tem sabor de picolé de limão e o aroma de cafezinho da Palheta, na praça Saens Pena. Tijuca dos clubes, dos bons colégios, lugar popular e conservador.
Paro para pensar na minha Tijuca, a de hoje, e no trajeto que percorro às vezes de carro, às vezes de ônibus e muitas vezes, por prazer, a pé até chegar na tradicional escola de formação de professores ou Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro, que já não é mais Escola Normal.
Saio e vejo o Alto da Boa Vista, desço pela Conde de Bonfim, com sua praça Saens Pena. Lá, os meus olhos procuram os balanços, e a leve inocência de criança, quando meu avô materno me levava para brincar e pagava aos meninos, que aguardavam sua vez de brincar, um picolé de cebola. Quer dizer, ele dava um trocado para que eles saíssem em busca de um picolé e me deixassem brincar mais. Como não lembrar?!
Em minha caminhada, passo lojas, shoppings e edifícios imponentes até me deparar com a linda lanchonete
Rita de Cássia, que já foi uma padaria, onde eu comprava picolé de limão todas as tardes. Vê se pode, tanto sabor para escolher, e eu só comprava de limão? Descendo a Conde de Bonfim e a Haddock Lobo, passo pelo clube português
Casa de Trás os Montes e sorrio sozinha, pois lembro-me do meu avô paterno português, um dos seus fundadores. Como não podia deixar de ser, todo final de semana a família estava lá.
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Casa da Vila da Feira e Terras de Santa Maria, clube dedicado ao folclore e danças lusitanas fundado em 1953. A decoração reflete a origem portuguesa de seus sócios (Rua Haddock Lobo, 195). Foto: Ivo Korytowski |
Difícil não olhar o passado, mas continuo minha caminhada para o futuro e, com relação ao presente, percebo pessoas que correm (não caminham mais como antigamente), em um trânsito que parece louco, mas necessário.
Meu olhar se prende na favela. Até as favelas nos morros da Tijuca têm um espírito mais sofisticado! Os bares nas esquinas das ruas são envolvidos por amendoeiras que fazem, nas tardes de outono, verdadeiros tapetes com suas folhas.
Percebo que estou chegando ao meu destino, quando me deparo com a praça Afonso Pena tão linda e colorida, cheia de vida, de pessoas jovens e crianças que ocupam os balanços e as quadras. Atravesso a Campos Sales diante do América Futebol Clube, onde foi realizado meu baile de formatura do Normal, e então entro na rua Mariz e Barros e agradeço à Santa Terezinha das Rosas, imagem perfeita que me acompanha todos os dias com seu olhar tímido.
Por fim, paro e olho o Instituto de Educação, um templo do saber. Suspiro de alegria por fazer parte dessa história. Entro e me preparo para mais um dia de conhecimento.
Deu para perceber que possuo uma alma tijucana? A Tijuca é de ontem, de hoje, de sempre. Com comércio ativo e sofisticado, a Tijuca lança moda.
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O bonde da praça Saens Pena ia até o Alto da Boa Vista, em suas configurações aberta (1930) e fechada (que funcionou até 1966) |
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Dos bondes ao metrô, a Tijuca viu mudanças na sua paisagem e na vida de seus moradores. Hoje, convive com a grande ocupação dos morros, que se intensificou bastante a partir dos anos 80. (Mais da metade da população da Tijuca vive nas encostas que circundam o bairro.) Mas, a partir da década de 1960, a escassez de espaço j'a havia iniciado o seu processo de verticalização. Na Rua Pareto foi construído o primeiro prédio de dez andares do bairro e a partir daí os grandes edifícios tomaram conta das ruas mais importantes: Conde de Bonfim, Haddock Lobo, Antonio Basílio, Desembargador Izidro... Além disso, a abertura dos túneis, Santa Bárbara e Rebouças, nos anos 60, facilitou o acesso ao bairro e intensificou o fluxo de tráfego na região. Do mesmo modo, o Metrô, cujo obras duraram seis longos anos de grandes incômodos, hoje está totalmente incorporado ao cotidiano do tijucano e do bairro.
Para a maioria dos seus moradores, mesmo com o problema da favelização, a Tijuca é um dos melhores lugares para se viver. Não preciso sair daqui para nada, pois tenho tudo à minha porta. Fui nascida e criada na Tijuca e tenho muito orgulho disso.
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Inauguração da Praça Saens Peña em 30/04/1911. As construções ao fundo foram demolidas na década de 1940 para construção do Cinema Olinda, que foi abaixo em 1974 para dar lugar ao Shopping 45. |
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